Supermercado da Solidão


        [...]
Com muito esforço abriu o espaço e se projetou ofegante para fora da turba. Caminhava apressado e sem se voltar para trás. Ele se sabia seguro. Era capaz de ouvi-los. Avistou o corredor que levava ao banheiro e conseguiu entrar.
Os azulejos brancos reluziam. Bernardo molhou o rosto com água fria. Pelo espelho, de um ângulo que o reflexo de outro espelho dividia o enquadramento, dois homens, lado a lado, parados junto aos mictórios, tensos. Um outro cruzou velozmente seu campo de visão no espelho, mas não saiu para seção dos lavabos, permaneceu lá, talvez ao lado de um outro homem.
 Bernardo passou indiferente pelo vão que levava aos mictórios e seguiu para os reservados. Lá, fechou-se na cabine e tentou recuperar um pouco das forças perdidas. Sentado, o corpo rompeu em dor. Levantou as barras da perna da calça até a altura dos joelhos e afroxou os cadarços dos sapatos. Respirava fundo, esperando que o ar purificasse o sangue das veias. O perfume barato de desinfetante invadiu suas narinas. Passou as mãos na pedra fria e cinza das paredes. Na porta, genitais e telefones celulares. Abaixo de um dos desenhos a inscrição Jesus te ama. Em volta do centro onde se propagavam esses amores estava tudo limpo. Ou fora apagado poucos instantes antes, sendo aquelas inscrições o testemunho recente do cotidiano humano numa outra espécie de caverna. Sexo e religião, pensou ele. E comércio, claro. Os arqueólogos teriam pouco trabalho para desvendar a alma do homem no século XX. Sua arte declinara para um rupestre de esferográfica e banheiro. Acabaram-se as batalhas e a magia do fogo. Mesmo Picasso havia entendido isso e voltado ao primitivo.  E depois de Picasso as forças pictóricas foram reduzidas à cinza. Bernardo tirou uma caneta do bolso e desenhou algumas cifras junto aos genitais, os números de telefones e as frases exclamativas.  A boca estava seca, as pernas inchadas e algo dentro dele doía. Mas ele sorriu e achou que de uma maneira geral aquela porta compunha um belo quadro. Havia unidade.
Sentia-se melhor quando deixou o banheiro. E pôde aproveitar para beber água no bebedouro do corredor. [...].

TRINDADE, Lima. Supermercado da Solidão. LGE Editora, 2005, p. 84-85.



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Grafitos de banheiro como inspiração literária



O natal já passou, um novo ano se aproxima, mas, mesmo em clima de festa, o blog Grafitos de Banheiro não para.


Para quem não se lembra ou ainda não viu, em 29 de novembro, o livro Mural dos Nomes Impróprios (2005), da autora Venus Brasileira Couy, foi tema de uma postagem aqui no blog. Hoje, eu venho compartilhar com você, leitor, um vídeo no qual Couy aparece falando um pouco sobre os grafitos de banheiro em entrevista concedida ao programa Imagem da Palavra, da Rede Minas.







A entrevista concedida por ela fez parte do programa que teve como foco o escritor e ensaísta João Gilberto Noll e seu livro Solidão Continental. Noll conta sobre suas inspirações para produzir essa obra e, segundo ele, as frases nas portas e paredes de banheiros públicos foi uma delas. Ele as considera como elementos literários.

Conforme a fala de Noll, além ter se criado literariamente lendo obras de autores como Padre Antônio Vieira e Clarisse Lispector, ele se criou olhando as portas de banheiros públicos.

Em sua participação no programa, Venus Brasileira Couy afirma que a parede e a porta do banheiro servem como mural para o sujeito se expressar.  Ela também aponta que, em geral, atribui-se à escrita dos grafitos o status de paraliteratura, termo que corresponde às produções textuais que ficam à margem do que é tido cânone literário.

Outros entrevistados também emitem suas perspectivas acerca dos grafitos de banheiro, apontando se os consideram ou não como literatura. Ao final, o que fica perceptível é que as opiniões sobre esse assunto se dividem. Independente disso, João Gilberto Noll nos mostra que os grafitos podem servir como inspiração literária. 

A fim de exemplificar essa possibilidade, a partir de agora nós teremos no blog uma seção intitulada como Grafitos e Literatura. Nela, serão disponibilizados textos literários que tenham os grafitos de banheiro como temática ou que, simplesmente, abordem a questão da escrita na porta dos banheiros. Espero que você curta os textos!


Autora: Aline Matias. 


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Coisas domésticas




Espero que ninguém nos ouça: queria muito falar com você. Já escrevi várias vezes na porta o meu número de telefone e o meu ramal. Vejo esses números e me lembro daquela crônica que saiu, no mês passado, na revista Nova: “por que ela não telefonou?” Vejo esses desenhos e fico imaginando o seu corpo: intangível, retocável com um simples crayon. Desenho maquiáveis, maquiavélicos contornos com o meu batom “Pecado-Capital-169”. É da Max-Factor. Guardou a marca? As universitárias usam muito, Sublinho, grafito o seu corpo. É a minha inscrição, o sinal do meu percurso. “Estou querendo chupar a sua bucetinha, passar a língua bem de levinho. Não há nada melhor e você não quer deixar. Buceta é a coisa mais gostosa, não é?” Por que você não me responde e me deixa, assim, solitária neste espaço íntimo onde me masturbo e invento esse pequeno drama, essa estorinha de amor em porta de banheiro? “Teresinha, eu te amo! Se você soubesse, olhava diferente”. Por que você resiste e não escuta as minhas palavras que correm para todo lado, que provocam, intrigam e também agridem: “Você é sapatão ou está me chamando disso? Se você é está ótimo, nós nos daremos bem, mas se não, sei lá. Mulher, não! Tenho alergia desse bicho! Basta eu!” Aqui, neste lugar solitário, onde defeco e me refugio, me sinto em casa. É tão simples estar em casa? Usar o vaso, lavar as mãos, olhar no espelho, me pentear e relaxar? Aqui me sinto como Querelle quando passava diante dos banheiros públicos, rabiscava os seus escritos e pensava com melancolia no seu cotidiano: “6h de trabalho, 2h de transporte. 2h de alimentação, 1h de higiene pessoal. 6h de sono. Total 19h. 5h para cuidar da vida (casa, filhos, vizinhos, cachorro). E pra gente, não sobra nada?” Preciso sair daqui. Me sinto em casa, mas a minha casa é outra e me espera com aquelas 24h de que falei antes: 24h gastas e somadas meticulosamente. O tempo desliza pelos meus dedos, pelo meu lápis, pela minha caneta. Mordo as unhas, o meu lápis e chupo a tinta da minha caneta bic. Lápis, dedo, caneta. Símbolos fálicos, fálicos? Preciso parar de analisar os meus escritos, já é terrorismo demais. Estudante do 6º período de Sociologia, casada com três filhos saudáveis e bonitos, funcionária há sete anos de IBGE, precisava mesmo era de uma babá. Batem na porta, preciso ir embora. Rapidamente, maculo mais alguns riscos e rabiscos sobre o branco da porta. Vou pra casa, elástica, elétrica, pensando em coisas domésticas, imaginando o seu corpo, intangível, retocável com um simples crayon.




COUY, Venus Brasileira. Coisas domésticas. In: ______. Mural dos nomes impróprios: ensaio sobre grafito de banheiro. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2005, p. 89-90.

Então é natal...


“Eu quero q os clientes nesse natal vão tudo se foder.”
Grafito encontrado no banheiro feminino do Salvador Shopping, Salvador Jan/ 2013.
(Arquivo Pessoal)


No início deste ano, visitei alguns banheiros de shoppings de Salvador (BA). Em um deles (indicado na legenda acima), encontrei um grafito com conteúdo bastante incisivo. Nele o sujeito parecia querer manifestar sua revolta contra os clientes do local por algum motivo. E foi justamente neste “lugar solitário”, o banheiro, que ele se expressa.
Utilizei este grafito em uma apresentação que fiz no Seminário de Pesquisa Estudantil (SEPESQ) para falar sobre a questão do espaço que contém o banheiro estar explícito em alguns grafitos. Aqui, ele servirá como um exemplo para tentar responder a seguinte pergunta: Quais as motivações para o grafito? (Por quê?)
Pellegrini Filho irá nos mostrar que responder a esta pergunta não é algo fácil (PELEGRINI FILHO, 2009), até mesmo porque, grafitar (fazer grafitos) pressupõe intimidade, o que seria ferido em uma entrevista. Entretanto, o autor nos mostra que os exemplos podem nos indicar um caminho, ou explicação pra tal ato. Dentre os motivos elencados para manifestação da Comunicação Popular Escrita, destaco aqui os que parecem motivar os grafitos de banheiro:
1.    Motivações Culturais
2. Motivações Físico-Psicológica (Necessidade de autoexpressão)

Pellegrini Filho ainda compõe uma tabela (em arquivo CD) com os temas e subtemas e suas funções, na qual os grafitos de banheiro, denominados de Latrinália, aparecem várias vezes, com diferentes funções.
No exemplo que trago, o escrito nos leva a pensar que a pessoa que grafitou seja alguém que trabalha no shopping, que geralmente recebe um número maior de clientes em épocas festivas, o que gera um estresse ao funcionários.  Não encontrando meios para expressar tal sentimento, é justamente no banheiro que ela irá encontrar espaço para isso.

O banheiro, através da produção de grafitos, serve à comunicação humana como um canal de expressão escrita disponível a todos, em meio ao monopólio dos superveículos massificadores. Em sua sujidade, propicia manifestações profundamente inconvenientes se apresentadas em outro lugar. Sem limites aparentes de censura externa e acessível a todos, torna-se um palco discreto de confidências.


(BARBOSA, 1984, p. 194)







REFERÊNCIAS

BARBOSA, Gustavo. Grafitos de Banheiro: A literatura proibida. Editora Brasiliense, São Paulo, 1984, p. 76-82;194.

PELLEGRINI FILHO, Américo. Comunicação Popular Escrita. São Paulo: EDUSP, 2009, p. 615-624 + 1CD



                                                            Autora: Luana Alves

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Latrinália – Uma categoria da comunicação popular escrita




Conforme prometido no texto da semana passada, será apresentado agora um pouco da abordagem do pesquisador Américo Pellegrini Filho sobre o nosso objeto de estudo e que ele denomina como latrinália.

Antes de tudo, é válido dizer que os 14.014 escritos populares coletados por ele em 107 países foram organizados em 22 classes e uma dessas classes corresponde à latrinália. Segundo Pellegrini Filho (2009), nela:


[...] ficam os escritos feitos em sanitários públicos – masculinos, femininos e unissex –, cujos suportes são: paredes internas dos sanitários, suas portas, seus equipamentos (vaso sanitário, papeleira, encanamento, etc), o teto. [...]. (PELLEGRINI FILHO, 2009, p. 87-88).



De acordo com o autor uma temática constante na latrinália é o humorismo, o qual pode aparecer relacionado a diversos outros temas, como por exemplo: amor/amizade, sexo, críticas, filosofia popular, xingamentos, etc.

Américo Pellegrini Filho
A análise que Pellegrini Filho (2009) faz sobre a latrinália não é muita extensa, até por que ele devota atenção também a muitos outros tipos de escritos populares (fórmulas de fiado, mensagens em papel-moeda, entre outros). Entretanto, isso não reduz o valor de sua análise. Pelo contrário, o fato de sua pesquisa envolver registros de escritos feitos em sanitários públicos de 39 países (como o Brasil, Portugal, Alemanha) revela seu interesse em se ampliar o olhar sobre eles. 

O autor aponta os grafitos da antiga cidade de Pompeia como antecedentes dos grafitos de banheiros contemporâneos. Ele aponta também que os escritos de banheiros públicos se caracterizam, por exemplo, pela liberdade de expressão dos emissores; pela sobrecarga de frases; pela ocorrência de gírias, xingamentos, símbolos eróticos; pela ocorrência de réplicas (que, segundo o autor, se dá quando uma mensagem é escrita em contestação a uma anterior); pelo anonimato.

Um dado interessante trazido por Pellegrini Filho (2009) é o de que há casos de mensagens de sanitários públicos que “[...] são conhecidas em diferentes regiões de um mesmo país e até em diferentes países. [...]” (PELLEGRINI FILHO, 2009, p. 252). O exemplo dessa ocorrência que ele apresenta corresponde ao da sentença Neste lugar solitário (...), cuja presença em escritos foi registrada por ele em Recife (Brasil), em Lisboa e Monção (Portugal) e em Peñas Blancas (Nicarágua). 

No livro Comunicação Popular Escrita (2009), Pellegrini Filho reproduz alguns dos escritos que coletou. Tais escritos aparecem divididos de acordo com seus temas e subtemas. Veja exemplos:


Escatologia – Excrementos:

  • J’aime l’odeur de mon propre cac. Suis-je normal? (WC masc., Campus Judith-Jasmim, Univr. Québec em Montreal, Montreal [Montreal], Canadá, 2003). [Eu gosto do cheiro do meu próprio cocô. Eu sou normal?]


Santos/Entidades Espirituais – Jesus Cristo:

  • Jesus is our savior. (WC fem., Est. Rodov. Central, Cardiff, País de Gales, 20010. [Jesus é nosso salvador]


Amor/Amizade:

  • I love you Titi (WC fem., entrada parquet de ruínas, Museu Monográfico de Conímbriga, Conímbriga, Portugal, 2001). [Eu gosto de você, Titi]


Metalinguagem – Crítica à prática dos enunciados populares:

  • Yozi yazna Relaya Girer başɪn belaya Götürür ler merkeze Siktirirler Herkese (WC masc., Hukuk Fakültesi, Istanbul [Istambul], Turquia, 2001). [Não escreva no banheiro   Você vai arrumar dor de cabeça      Eles levam você para a delegacia     Fazem todos foder você]



A seguir, você confere imagens de alguns dos escritos de banheiro que fazem parte do CD que acompanha o livro. 














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PELLEGRINI FILHO, Américo. Latrinália. In: ______. Comunicação Popular Escrita. São Paulo: EDUSP, 2009, p. 251-263. + 1CD

Autora: Aline Matias.


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Grafitos de Banheiro e Comunicação Popular Escrita: Ninguém viu antes?!



Recentemente comentei aqui neste espaço sobre Américo Pellegrini Filho e seu importante estudo na área de comunicação; ele que é um dos nomes citados por Barbosa já em 1984.

Em obra publicada recentemente (2009) Pellegrini Filho nos apresenta o grande universo da Comunicação Popular Escrita (CPE):


A Comunicação Popular Escrita é um universo incomensurável de manifestações verbais, comuns em sociedades letradas e feitas em diversos suportes – mídias e neomídias - em áreas urbanas, sendo de se notar a presença de liberdade de expressão, mimese, constante atualização e reatualização de conteúdo. (PELLEGRINI FILHO, p. 48, 2009).


O grande diferencial desta pesquisa é a sua abrangência geográfica (o autor recolheu materiais escritos de diversos países do mundo), num período compreendido entre 1988 a 2007, contando com a colaboração de algumas pessoas. Nesta empreitada, o autor identifica 22 classes de escritos que se constituem objeto de análise e reflexão de sua pesquisa.

Ninguém viu antes?! É um dos questionamentos que o autor faz logo na introdução da obra, ao que responde: “Se ninguém viu antes, passamos a ver de agora em diante”.  Pellegrini Filho mostra como alguns escritos já estão tão “banalizados” em nossa sociedade de forma que não damos atenção, principalmente quando são práticas consideradas vândalas (como é o caso do nosso objeto, o grafito de banheiro).

Nesta obra, o nosso objeto de estudo é denominado Latrinália e assim como nós já observamos, o autor afirma que a maioria dos trabalhos que tomam esses escritos como objeto de análise, toma-o sob a perspectiva psicológica.

Breve postaremos aqui um breve resumo do estudo do autor acerca do nosso objeto. O post de hoje é só um convite à leitura desta obra que capta a atenção do leitor desde o início nos apresentando o vasto campo da CPE.

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PELLEGRINI FILHO, Américo. Comunicação Popular Escrita. São Paulo: EDUSP, 2009, 696p. + 1CD


Autora: Luana Alves.


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Mural dos nomes impróprios







Publicado em 2005 pela editora 7 Letras, o livro Mural dos nomes impróprios: ensaio sobre grafito de banheiro tem Venus Brasileira Couy como autora.

Se a proposta do prefácio é a de que ele seja uma propaganda do livro, Mural dos nomes impróprios está bem servido com dois prefácios. O primeiro foi escrito por Angela Tôrres Lima e seu título é Na catedral do saber, a gênese impura da cultura. Já, o título do segundo é Os nomes impróprios do sexo e foi escrito por César Guimarães.  

Emitindo seu parecer sobre a obra de Couy (2005), Angela Tôrres Lima escreve:


Ao revisitar seu texto, trabalho de pesquisa sobre banheiros públicos, Venus Brasileira Couy, escritora-poeta, transforma o que poderia ter sido um relatório insípido em livro denso e inquietante.
Subvertendo a estatística exigida pela metodologia oficial e universitária, a autora relança os dados em uma jogada decisiva: introduz-se no escrito como sujeito, nele imprimindo a marca de seu desejo. Para livrar-se de antigos fantasmas, reescreve o texto que já portava, [...]. O academicismo bem comportado é deixado de lado e o diálogo oculto do desejo se revela no Mural dos nomes impróprios. (LIMA, 2005, p. 11).



Buscando compreender questões como Por que, afinal, escrevem-se grafitos?, Qual relação podemos estabelecer entre a sua produção e o curioso espaço do banheiro?, Couy (2005) instaura em seu livro uma hibridez entre o discurso acadêmico e o discurso ficcional. Nesse sentido, ela apresenta o resultado de sua pesquisa sobre grafitos de natureza erótico-pornográfica de uma forma diferenciada:


Pensando, [...], em uma maior interação entre os leitores e esta pesquisa, optei por uma apresentação mais criativa dos resultados: não um relatório, mas, sim, um livro, no qual textos ensaísticos e ficcionais juntamente com fotos dos banheiros, dos grafitos e de curiosas personagens, dialogam entre si. (COUY, 2005, p. 27).


O livro é composto por três partes. Na primeira são abordados, basicamente, temas como o espaço dos banheiros públicos; a longevidade histórica dos grafitos e a associação deles com o aspecto da sexualidade; a porta de banheiro como mural, como “uma arena, na qual diversos imaginários guerreiam”; a natureza residual da escrita dos grafitos. A segunda apresenta minicontos escritos pela autora, tomando-se por base os grafitos que ela coletou para a sua pesquisa. Segundo ela, nesse caso, “[...] os grafitos foram utilizados não apenas como objeto de reflexão e estudo, mas também como material para criação literária.” (COUY, 2005, p. 28). Já, na terceira parte são apresentadas breves informações sobre os dados coletados pela autora durante a sua pesquisa de campo, que se deu entre 1986 e 1988.  


Imagens fotográficas de banheiros públicos e grafitos aparecem ao longo de alguns dos textos. Elas foram registradas pela própria Couy durante suas visitas a banheiros femininos da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e ilustram o fato de que, mesmo em uma “[...] atmosfera onde a limpeza aparentemente impera, os grafitos de todas as formas, cores e tamanhos emergem e invadem rapidamente o espaço. [...]” (COUY, 2005, p. 32).


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COUY, Venus Brasileira. Mural dos nomes impróprios: ensaio sobre grafito de banheiro. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2005, 117 p.


Autora: Aline Matias.

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Grafitos carregam história



Semana passada (08 a 17 de novembro), ocorreu aqui em salvador a XI Bienal do Livro da Bahia. Em um stand havia algo sobre cultura popular, mas nada relacionado ao nosso tema (grafito de banheiro). Assisti algumas palestras, comprei alguns livros e, como pesquisadora atenta,  não deixei de passar no banheiro do Centro de Convenções.

As reformas e limpeza constante tem sido um dos desafios encontrados nesta pesquisa (já mencionei isso em outro post), por isso, atualmente chego aos banheiros com certa cautela. O banheiro estava vazio, nada encontrei na primeira cabine, exceto um adesivo colado a porta com a propaganda de um papel higiênico.


Na cabine ao lado, porém, havia bastante grafitos. Diversas temáticas. Um deles, bem discreto, dizia o seguinte: Bienal 2011





Um grafito típico daqueles “Estive Aqui”, como simples forma de marcar presença.


Destaco esse grafito em especial só para mostrar o potencial dos grafitos a nível de história, e como essa história, assim como a história dos muros (no caso do grafite/pichação) tende a se perder, pois é efêmera. Foi assim no caso dos escritos de Pompéia. Diferente da importância que ganhou os escritos da antiga cidade italiana a ponto de se tornarem patrimônio histórico, os grafitos e grafites/pichações continuam marginalizados, subalternizados, vistos com maus olhos, portanto “apagados”.


Se quiser conferir mais alguns grafitos encontrados em banheiros femininos do Centro de Convenções de Salvador, acesse o nosso tumblr <http://grafitosdebanheiro.tumblr.com/>.


Autora: Luana Alves.


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Tumblr - Olha a cagada que você está fazendo


Grafito que deu origem ao título do tumblr de Ivan Perina

Com postagens iniciadas em 17 de junho de 2010, o tumblr Olha a cagada que você está fazendo tem como proprietário Ivan de Salles Perina, um dos autores do artigo Letramentos marginais na universidade: O caso das pichações em banheiros (2011), publicado na revista científica Língua, Literatura e Ensino e que trata da questão dos grafitos com base na perspectiva dos letramentos. 

O tumblr é composto por imagens fotográficas do que Perina denomina como pichações de banheiro e que nós chamamos aqui de grafitos de banheiro. As pichações são de banheiros da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas).

Algo que chama a atenção é que juntamente com as fotos são postados comentários que, segundo o próprio Perina, não foram feitos pelos produtores dos grafitos. São fortes os indícios de que os comentários são elaborados por ele mesmo.


A primeira postagem, por exemplo, traz a seguinte imagem:

(Imagem: reprodução/ Olha a cagada que você está fazendo)

Junto à imagem acima, Perina traz a indicação de que o grafito foi produzido por uma “figurinha carimbada nos banheiros da Unicamp”, que ele chama de Leozinho Bissexual e que seria seu “muso inspirador”. Mesmo sem conseguir manter contato com o Leozinho, para que ele concedesse uma entrevista, Ivan elabora o que seria uma possível fala dele e que você confere a seguir:


"Acho o banheiro um dos melhores lugares para encontrar parceiras e parceiros. Diferentes tipos de pessoas me ligam, desde os mais exibidos de sempre quanto os mais tímidos. Esse dia foi engraçado, entrei escondido no banheiro feminino do IFCH para deixar minha marca e ao sair fui surpreendido por uma mulher aparentemente normal, mas com cara de dominadora. Perguntou o que eu fazia naquela cabine, mal respondi, ela entrou e leu. O que se passou depois disso… Bom, manterei no sigilo que as cabines de banheiro me proporcionam. Até a próxima" - Leozinho Bissexual, nosso ídolo.


O que fica claro é que o espaço do tumblr confere uma liberdade maior a Ivan, possibilitando que ele faça uso de uma criatividade e imaginação, que não seria possível, por exemplo, em texto científico sobre os grafitos de banheiro.

Além disso, deu para perceber que a proposta dele se aproxima da minha e da minha colega Luana, pois, assim como nós propomos em nosso tumblr Grafitos de Banheiro, ele solicita aos seus leitores o envio de fotos de pichações para o e-mail (ivansperina@gmail.com) que ele disponibiliza. A diferença é que o tumblr dele está mais restrito ao espaço dos banheiros universitários, enquanto nós buscamos abranger banheiros públicos de espaços diversos: universidades, estações de ônibus, escolas, etc.

Em 1º de fevereiro de 2011 houve uma interrupção nas postagens e no dia 31 de março de 2012, Perina voltou a postar trazendo um texto de agradecimento à publicação de uma matéria feita pelo jornal Gazeta do Povo. Intitulada como Os segredos públicos das portas dos banheiros, a matéria trata, entre diversos aspectos, da pesquisa que ele, Luana Pizzi e Taís Franciscon desenvolvem sobre os grafitos. Ela foi incentivo para que ele voltasse a atualizar o tumblr, mas tal incentivo só teve forças até 27 de julho de 2012, data da última publicação.


Se você quiser dar uma conferida no tumblr Olha a cagada que você está fazendo, basta acessar o link a seguir:

http://olhacagada.tumblr.com


Já, a matéria Os segredos públicos das portas dos banheiros você encontra aqui: 

http://www.gazetadopovo.com.br/talentojornalismo/
conteudo.phtml?tl=1&id=1238611&tit=Os-segredos-publicos-das-portas-dos-banheiros


Autora: Aline Matias.



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Grafito e Comunicação


Quando comecei a estudar os grafitos de banheiro, juntamente com Aline, comecei a buscar com quem dialogar; a quem se referir... Nessa empreitada conseguimos encontrar diversos autores (SANTOS, TEIXEIRA, BARBOSA entre outros) que já haviam levado os grafitos “a sério” bem antes de nós.

Assim, recentemente, deparei-me com a teoria da Folkcomunicação de Luiz Beltrão, citado por Barbosa (1984). Em linhas gerais, a Folkcomunicação busca conhecer uma determinada realidade, para então pesquisar processos comunicacionais dentro de uma comunidade, grupo. Dentro desta teoria, o grafito encontra-se na categoria Folkcomunicação Visual, formato mural, definida por Melo (2008), seguidor de Beltrão.

Embora passados mais de 30 anos, a teoria de Beltrão continua sendo estudada e ampliada. Ainda assim, não temos conhecimento de muitos trabalhos na área de comunicação que trate dos grafitos.

Outro autor, também na área de comunicação, que considera o grafito como uma manifestação de caráter popular é o Américo Pellegrini Filho. Mas isso é tema para um próximo post.



Para saber um pouco mais a respeito de Folkcomunicação, você pode acessar:






Autora: Luana Alves.

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Renata Plaza Teixeira e os grafitos pelo mundo




Renata Plaza Teixeira
Dentre os pesquisadores que lançam um olhar detido sobre as inscrições produzidas em banheiros públicos está Renata Plaza Teixeira. Em uma participação no Programa do Jô, em 21 de julho de 2004, ela conta detalhes de sua pesquisa sobre os grafitos que, segundo informações em seu currículo Lattes, esteve compreendida entre os anos de 1992 e 2005.

Durante a entrevista, Renata revela ter visitado banheiros masculinos e femininos de universidades do Brasil, Estados Unidos, Alemanha, Espanha e Itália, a fim de analisar as proximidades e diferenças entre os grafitos produzidos nesses diferentes lugares.


Confira a seguir a entrevista que ela concedeu a Jô Soares:




Logo no início de seu bate papo com Jô, ela deixa claro o quanto a sua formação acadêmica foi decisiva para que ela começasse a ter interesse pelos grafitos. Sua formação acadêmica é bastante diversa, pois ela possui graduação em Direito, Letras e Psicologia, além de ser mestre e doutora em Psicologia.

Ela também destaca os temas que são mais recorrentes (como romantismo, humor e política) nessa peculiar prática de escrita, mostrando como eles ocorrem através dos registros fotográficos que fez juntamente com seu colaborador, o seu marido.  

O que fica bastante perceptível é que Renata Plaza Teixeira leva os grafitos de banheiro bem a sério, assim como eu e minha colega Luana Alves buscamos fazer.


Autoria: Aline Matias.





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Grafitos em "extinção"?!


Porta de um banheiro feminino da Estação de ônibus da Lapa, Salvador.


Durante algumas visitas feitas a alguns banheiros públicos femininos de Salvador  (especialmente estações de ônibus), percebi que os grafitos parecem, de certa forma, estar desaparecendo.  Ou melhor, pouco aparecendo.

Isso, é claro, preocupa tanto a mim, como também a Aline, por ser o grafito nosso  objeto de investigação/reflexão. Esse fato pode ser notado, principalmente, em banheiros que foram reformados recentemente. O banheiro da Biblioteca Central Reitor Macedo Costa da UFBA, por exemplo, no ano 2011(quando iniciei o trabalho com o tema, juntamente com Aline) era repleto de grafitos, alguns deles já há bastante tempo na porta. Após reforma (ocorrida em 2012) as portas permanecem brancas. Isso, no entanto, não quer dizer que não haja produção, mas que essa falta se dá por algum motivo.

O controle feito por funcionários da limpeza pode ser uma das causas para este “sumiço” dos grafitos. Os funcionários podem estar sendo orientados a policiar e remover qualquer “vestígio” de escrita nas portas das cabines. 

Nos banheiros públicos de estações de ônibus de Salvador, por exemplo,  a presença de uma funcionária (tendo em vista que se trata de um banheiro feminino) responsável pela limpeza sentada à porta principal não é raro, parece ter se tornado uma regra. Além de distribuir pedaços de papel higiênico às usuárias do local, a presença dela pode inibir de certa forma a produção de grafito ou qualquer outra prática  considerada vândala ou imprópria nestes espaços.

Vale destacar que , assim como a pichação, o grafito de banheiro é, muitas vezes, considerado pela nossa sociedade como prática de vandalismo, e que, como tal, deve ser banido e evitado. Exemplo de controle e censura à prática são os atuais banheiros públicos com porta de vidro fosco, lado interno da porta em cor escura, etc.

Em 2004, o governo de Seattle, nos Estados Unidos, chegou a gastar US$ 5 milhões com a compra e manutenção de 5 banheiros públicos modernos para a cidade. Esses banheiros foram desenvolvidos principalmente para evitar “pichação” e outros atos de vandalismo. Porém, em 2008, foram postos à venda, pois acabaram se tornando espaço para prostituição e uso de drogas.

Estrutura do banheiro público usado em Seattle.

Gustavo Barbosa, em 1984, já falava sobre isso:

O revestimento de sanitários públicos com azulejos, as paredes de chapisco e pintadas em cor escura, a construção de portas divisórias de alumínio, marmorite, vidro fosco ou treliças de madeira envernizada, entre outras técnicas, são recursos institucionais de combate aos grafitos. Esses recursos têm reduzido a incidência de mensagens escritas em vários sanitários “remodelados”, principalmente em bares, cinemas, fábricas e escolas. (BARBOSA, 1984, p. 81-82)


Quase trinta anos depois, nossa sociedade ainda continua tentando combatê-lo, e mesmo com o avanço da tecnologia, os grafitos resistiram e continuam resistindo.

Você pode conferir reportagens sobre os banheiros públicos de Seattle nos links a seguir:

http://g1.globo.com/Noticias/PlanetaBizarro/0,,MUL
649783-6091,00-SEATTLE+LEILOA+NA+INTERNET+BANHEIROS+
MILIONARIOS+
DA+CIDADE.html

http://cleubercarlos.blogspot.com.br/2012/08/
banheiros-publicos-modernos-usados-por.html

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BARBOSA, Gustavo. Grafitos de banheiro: A literatura proibida. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.

Autora: Luana Alves.


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Você já conhece o ‘Letras nas Ruas’?

Logotipo do blog e do tumblr Letras nas ruas



No dia 10 de outubro de 2013, o site Agenda Arte e Cultura Ufba, divulgou a pesquisa desenvolvida pelo estudante Evanilton Gonçalves (que cursa Letras Vernáculas na Universidade Federal da Bahia e que é bolsista de Iniciação Científica) e pelo seu orientador, o professor doutor Antonio Marcos Pereira que faz parte do Departamento de Letras Vernáculas da UFBA e que, como já dissemos aqui, também orienta nossas pesquisas.

Desde o ano passado, Evanilton e Antonio Marcos têm trabalhado com a temática do grafite e de sua produção no contexto da cidade de Salvador, Bahia. Nesse sentido, eles têm compreendido o grafite como uma prática de letramento e investigam questões tais como: “como ler as letras nas ruas, o que é ler isso, o que é fazer isso.”.

As ferramentas de divulgação dessa pesquisa são o blog e o Tumblr, ambos intitulados Letras nas Ruas. O Tumblr, por exemplo, consiste num relevante arquivo/acervo virtual composto por imagens de grafites que se encontram espalhados pelos muros da cidade de Salvador. E, quem acessa essas ferramentas, percebe que o projeto não para, uma vez que é atualizado continuamente com novas informações e com novas imagens.

O Letras nas Ruas tem tudo a ver com o projeto que nós desenvolvemos aqui.  Não só por considerarmos que o grafite e o grafito de banheiro apresentam uma origem comum (as inscrições rupestres), mas também por que eles se constituem em práticas de letramento vernacular. E é isso que faz com que nossas pesquisas façam parte de um mesmo projeto, que é coordenado pelo professor/pesquisador Antonio Marcos Pereira: o Explorações metodológicas no estudo dos Letramentos Vernaculares, cujo foco é, obviamente, o estudo dos letramentos vernaculares.

Para quem não está ainda por dentro do que são os letramentos vernaculares, é importante esclarecer, mesmo que brevemente, que eles correspondem às práticas de leitura e escrita que se originam na vida cotidiana e que são frequentemente desvalorizados ou desprezados socialmente. Incluem-se nessa categoria, por exemplo, o grafite, a pichação e os grafitos de banheiro, conforme dissemos anteriormente. 

Ficamos felizes com o reconhecimento do projeto deles, pois isso contribui para que as práticas de escrita urbanas que circulam na vida cotidiana recebam mais atenção não só de pesquisadores, mas do público em geral.

Entretanto, vale ressaltar que, embora o texto (cujo autor é Igor Tiago), do site Agenda Arte e Cultura Ufba, sirva para divulgar uma prática de letramento que é marginalizada socialmente, o último parágrafo traz a conhecida dicotomia grafite X pichação, com base apenas no fato da autorização legal para prática ou não e colocando a pichação como prática de vandalismo, colocação com a qual Evanilton e seu orientador não compartilham. A diferença entre grafite e pichação para eles vai muito além disso.

Para saber mais sobre o Letras nas Ruas, inclusive sobre a relação/distinção entre grafite e pichação, basta acessar os links a seguir:



Você pode conferir a notícia veiculada pelo site Agenda Arte e Cultura Ufba aqui:


Autora: Aline Matias e Luana Alves.


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