Grafitos em "extinção"?!


Porta de um banheiro feminino da Estação de ônibus da Lapa, Salvador.


Durante algumas visitas feitas a alguns banheiros públicos femininos de Salvador  (especialmente estações de ônibus), percebi que os grafitos parecem, de certa forma, estar desaparecendo.  Ou melhor, pouco aparecendo.

Isso, é claro, preocupa tanto a mim, como também a Aline, por ser o grafito nosso  objeto de investigação/reflexão. Esse fato pode ser notado, principalmente, em banheiros que foram reformados recentemente. O banheiro da Biblioteca Central Reitor Macedo Costa da UFBA, por exemplo, no ano 2011(quando iniciei o trabalho com o tema, juntamente com Aline) era repleto de grafitos, alguns deles já há bastante tempo na porta. Após reforma (ocorrida em 2012) as portas permanecem brancas. Isso, no entanto, não quer dizer que não haja produção, mas que essa falta se dá por algum motivo.

O controle feito por funcionários da limpeza pode ser uma das causas para este “sumiço” dos grafitos. Os funcionários podem estar sendo orientados a policiar e remover qualquer “vestígio” de escrita nas portas das cabines. 

Nos banheiros públicos de estações de ônibus de Salvador, por exemplo,  a presença de uma funcionária (tendo em vista que se trata de um banheiro feminino) responsável pela limpeza sentada à porta principal não é raro, parece ter se tornado uma regra. Além de distribuir pedaços de papel higiênico às usuárias do local, a presença dela pode inibir de certa forma a produção de grafito ou qualquer outra prática  considerada vândala ou imprópria nestes espaços.

Vale destacar que , assim como a pichação, o grafito de banheiro é, muitas vezes, considerado pela nossa sociedade como prática de vandalismo, e que, como tal, deve ser banido e evitado. Exemplo de controle e censura à prática são os atuais banheiros públicos com porta de vidro fosco, lado interno da porta em cor escura, etc.

Em 2004, o governo de Seattle, nos Estados Unidos, chegou a gastar US$ 5 milhões com a compra e manutenção de 5 banheiros públicos modernos para a cidade. Esses banheiros foram desenvolvidos principalmente para evitar “pichação” e outros atos de vandalismo. Porém, em 2008, foram postos à venda, pois acabaram se tornando espaço para prostituição e uso de drogas.

Estrutura do banheiro público usado em Seattle.

Gustavo Barbosa, em 1984, já falava sobre isso:

O revestimento de sanitários públicos com azulejos, as paredes de chapisco e pintadas em cor escura, a construção de portas divisórias de alumínio, marmorite, vidro fosco ou treliças de madeira envernizada, entre outras técnicas, são recursos institucionais de combate aos grafitos. Esses recursos têm reduzido a incidência de mensagens escritas em vários sanitários “remodelados”, principalmente em bares, cinemas, fábricas e escolas. (BARBOSA, 1984, p. 81-82)


Quase trinta anos depois, nossa sociedade ainda continua tentando combatê-lo, e mesmo com o avanço da tecnologia, os grafitos resistiram e continuam resistindo.

Você pode conferir reportagens sobre os banheiros públicos de Seattle nos links a seguir:

http://g1.globo.com/Noticias/PlanetaBizarro/0,,MUL
649783-6091,00-SEATTLE+LEILOA+NA+INTERNET+BANHEIROS+
MILIONARIOS+
DA+CIDADE.html

http://cleubercarlos.blogspot.com.br/2012/08/
banheiros-publicos-modernos-usados-por.html

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BARBOSA, Gustavo. Grafitos de banheiro: A literatura proibida. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.

Autora: Luana Alves.


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Você já conhece o ‘Letras nas Ruas’?

Logotipo do blog e do tumblr Letras nas ruas



No dia 10 de outubro de 2013, o site Agenda Arte e Cultura Ufba, divulgou a pesquisa desenvolvida pelo estudante Evanilton Gonçalves (que cursa Letras Vernáculas na Universidade Federal da Bahia e que é bolsista de Iniciação Científica) e pelo seu orientador, o professor doutor Antonio Marcos Pereira que faz parte do Departamento de Letras Vernáculas da UFBA e que, como já dissemos aqui, também orienta nossas pesquisas.

Desde o ano passado, Evanilton e Antonio Marcos têm trabalhado com a temática do grafite e de sua produção no contexto da cidade de Salvador, Bahia. Nesse sentido, eles têm compreendido o grafite como uma prática de letramento e investigam questões tais como: “como ler as letras nas ruas, o que é ler isso, o que é fazer isso.”.

As ferramentas de divulgação dessa pesquisa são o blog e o Tumblr, ambos intitulados Letras nas Ruas. O Tumblr, por exemplo, consiste num relevante arquivo/acervo virtual composto por imagens de grafites que se encontram espalhados pelos muros da cidade de Salvador. E, quem acessa essas ferramentas, percebe que o projeto não para, uma vez que é atualizado continuamente com novas informações e com novas imagens.

O Letras nas Ruas tem tudo a ver com o projeto que nós desenvolvemos aqui.  Não só por considerarmos que o grafite e o grafito de banheiro apresentam uma origem comum (as inscrições rupestres), mas também por que eles se constituem em práticas de letramento vernacular. E é isso que faz com que nossas pesquisas façam parte de um mesmo projeto, que é coordenado pelo professor/pesquisador Antonio Marcos Pereira: o Explorações metodológicas no estudo dos Letramentos Vernaculares, cujo foco é, obviamente, o estudo dos letramentos vernaculares.

Para quem não está ainda por dentro do que são os letramentos vernaculares, é importante esclarecer, mesmo que brevemente, que eles correspondem às práticas de leitura e escrita que se originam na vida cotidiana e que são frequentemente desvalorizados ou desprezados socialmente. Incluem-se nessa categoria, por exemplo, o grafite, a pichação e os grafitos de banheiro, conforme dissemos anteriormente. 

Ficamos felizes com o reconhecimento do projeto deles, pois isso contribui para que as práticas de escrita urbanas que circulam na vida cotidiana recebam mais atenção não só de pesquisadores, mas do público em geral.

Entretanto, vale ressaltar que, embora o texto (cujo autor é Igor Tiago), do site Agenda Arte e Cultura Ufba, sirva para divulgar uma prática de letramento que é marginalizada socialmente, o último parágrafo traz a conhecida dicotomia grafite X pichação, com base apenas no fato da autorização legal para prática ou não e colocando a pichação como prática de vandalismo, colocação com a qual Evanilton e seu orientador não compartilham. A diferença entre grafite e pichação para eles vai muito além disso.

Para saber mais sobre o Letras nas Ruas, inclusive sobre a relação/distinção entre grafite e pichação, basta acessar os links a seguir:



Você pode conferir a notícia veiculada pelo site Agenda Arte e Cultura Ufba aqui:


Autora: Aline Matias e Luana Alves.


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Escritos de banheiro e suas denominações




As inscrições que são produzidas no espaço dos banheiros públicos recebem diversas denominações. Mais frequentemente, as pessoas se referem a elas como frases ou escritos de banheiro. Então, é bem provável que você as nomeie assim. Também são comuns as expressões mensagens de banheiro, rabiscos, pichação ou pixação, grafite, latrinália e escrita latrinália.

No que diz respeito ao termo latrinália, ele foi proposto pelo estudioso Alan Dundes, em 1966, através de um texto cujo título é Here I Sit: A Study of American Latrinalia. Dundes (1966) o elaborou a fim de se referir aos graffiti que aparecem em banheiros públicos, distinguindo-os, a partir do aspecto do espaço em que as inscrições são produzidas dos outros tipos de inscrições que são feitas em paredes.

Ainda em seu texto, ele esclarece que o levantamento da questão de como se chamar os escritos de paredes de banheiros se deu a partir do termo folk epigraphy (epigrafia popular) apresentado por Allen Walker Read, no estudo intitulado como Lexical Evidence from Folk Epigraphy in Western North America: a Glossarial Study of the Low Element in the English Vocabulary, publicado em 1935.

Como você pode perceber através do título do blog, eu e minha colega Luana Alves nos referimos a esses escritos como grafitos de banheiro. Nesse sentido, nós tomamos como parâmetro a perspectiva de Bordin (2005, p. 21), em que “[...] ‘Grafito’ adquire, [...], a acepção de palavra, frase ou desenho de caráter jocoso, informativo, contestatório ou obsceno, em local público.”.

Enfim, vários são os nomes atribuídos a essa prática de escrita. Mas, independente disso, algo que fica evidente quando se trata dela é que a escrita se faz presente em nosso cotidiano nos mais diversos espaços sociais, até mesmo no espaço privado e, paradoxalmente, público dos banheiros.

_____________________                                   

BORDIN, Dagoberto José. Inscrições de si: da porta de banheiro ao chat. 2005. 79 p. Dissertação (Mestrado em Ciências da Linguagem) - Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça. Disponível em: <http://busca.unisul.br/pdf/79337_Dagoberto.pdf >. Acesso em: 22 jun. 2011.

DUNDES, A., 1966. Here I Sit: A Study of American Latrinalia. Kroeber Anthropoligical Society Paper, 34, p. 91-105. Disponível em: <http://digitalassets.lib.berkeley.edu/anthpubs/ucb/text/
kas034-010.pdf>. Acesso em: 02 jul. 2013.


Autora: Aline Matias.

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Grafitos de banheiro em 'Pé na Cova'

Tem tudo, TUDO na porta daquele banheiro: desenho pornográfico, frase de auto-ajuda, rabisco, ‘os cambau’... Palavrão... Tem até um desenho meu com chifre!
(Fala de Russo (Miguel Falabella/ Pé na Cova))



No episódio 06 da 1ª temporada de Pé na Cova, que foi ao ar no dia 28 de fevereiro de 2013, na Rede Globo, o personagem Ruço (Miguel Falabella) tenta a todo custo descobrir quem rabiscou a frase “RUÇO É CORNO” no banheiro de sua funerária. Irritado com a calúnia feita a ele; Ruço resolve instalar uma câmera dentro do banheiro para flagrar o responsável. No final, ele não tem sucesso em sua empreitada, mas acaba expondo a privacidade dos usuários daquele banheiro e fazendo-os confessar o que escreveram na porta.

Este episódio (embora nada científico) nos lembra das dificuldades com as quais nos deparamos no início do nosso trabalho com os grafitos. Quando nos propomos a trabalhar com o grafito utilizando o método etnográfico, observar o sujeito, bem como se dá a prática, colocou-se como um obstáculo a ser vencido. Pensamos até em desistir da etnografia, pois tal metodologia exige observação dos sujeitos em situações e contextos específicos, e, em um segundo momento, essa observação pode ser participante com aplicação de questionários.  Mas percebemos que o objeto em si exigia de nós uma adaptação do método, pois utilizá-lo à risca implicaria invasão da privacidade do sujeito produtor, como também acabaria por descaracterizar tal prática, visto que a condição do anonimato e a privacidade são uma das características básicas do gênero.  Assim como para Santos (2012), para nós



[...] o entendimento de que estudaria os grafitos sem necessariamente   ter que abordar os usuários de banheiro foi processual, até porque é bem difícil pensar antropologicamente desprendendo a imagem das descrições físicas dos “nativos”, que faz possível nominá-los e situá-los [...].
                                    

Se fôssemos utilizar o método etnográfico seguindo todos os passos, inclusive a observação da prática (interação com os sujeito), acabaríamos fazendo o que o Ruço fez. E, sendo isso um crime na vida real (Constituição Federal, inciso X, art. 5°), nossa pesquisa seria inviável.




A seguir, você confere o 6º episódio completo da série Pé na Cova :





Autora: Luana Alves.

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