Os graffiti de Pompeia e os grafitos de banheiro



Aqueles que pensam que a prática de escrita de grafitos de banheiro é algo recente e que essa prática é apenas característica da contemporaneidade podem se surpreender ao saber que os grafitos têm sido produzidos, por exemplo, desde o período da Antiguidade romana. De acordo com Barbosa (1984, p. 77), “[...] a produção de grafitos se espalha por muitas paredes afora [...]”. O autor afirma que “[...] a comunicação através de grafitos tem papel marcante na história da cultura humana”.

Os grafitos de banheiro produzidos na contemporaneidade mantêm estreita relação com práticas de escrita de outros contextos históricos. Um exemplo disso são as inscrições que foram produzidas nos muros e paredes que se espalhavam por Pompeia e, até mesmo, em paredes das casas de banho da antiga cidade romana.


Dentre as informações que aparecem de forma recorrente nos estudos sobre os graffiti de Pompeia estão a questão de sua intensa produção e o fato de que eram inscritos em diversos locais, tais como: paredes internas  e externas de casas, locais de comércio, casas públicas de banho,  bordeis, entre outros. (WALLACE, 2005).  Segundo Teixeira e Otta (1998), “[...] os romanos produziam inscrições em grego nas paredes dos banheiros de suas casas [...]” (NETO, 1992 apud TEIXEIRA; OTTA, 1998, p. 231). Abaixo há duas imagens de graffiti que se encontram inscritos nas paredes dos banhos Stabian:


Exemplo (1) de inscrição parietal encontrada nos banhos Stabian,
em Pompeia. 
Fotográfo: Francis Norman (2012). Fonte: (https://www.flickr.com/groups/pompeii/pool/with/83962226
55/lightbox/).
 

Exemplo (2) de inscrição parietal encontrada nos banhos Stabian,
em Pompeia. 
Fotográfo: Francis Norman (2012). Fonte: (https://www.flickr.com/groups/pompeii/pool/with/83973032
80/lightbox/).


Vale destacar que os espaços das casas de banho ou termas, abrangiam necessidades particulares, comerciais e públicas. As pessoas as usavam não apenas para a higiene pessoal. Nelas, elas desfrutavam também de alguns lazeres, pois, as termas eram equipadas com diversos tipos de facilidades que iam além da função principal de lavar-se.

Tomando por base a perspectiva de Martins (2003, p. 77) é possível afirmar que os grafitos de banheiro fazem parte de uma “[...] arqueologia que remonta aos graffiti de Pompeia e manifesta a existência de vozes efêmeras que se diluem no fluxo da história”.

Em Pompeia, uma enorme quantidade de inscrições foi deixada em praticamente todos os espaços disponíveis nos muros e paredes da cidade, sendo um desses espaços as casas de banho. Na atualidade, o homem, em sua necessidade de se comunicar, continua a produzir inscrições e ele faz isso até mesmo no espaço das cabines dos banheiros públicos. As cabines acabam se tornando um “[...] mural de garantida audiência para nossas acertadas e espirituosas observações sobre nós mesmo, sobre o mundo, sobre tudo [...]” (BARBOSA, 1984, p. 77).

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REFERÊNCIAS:


BARBOSA, Gustavo. Grafitos de banheiro: A literatura proibida. São Paulo: Brasiliense, 1984, 201 p.

MARTINS, Bruno Guimarães. Tipografia popular: Potências do ilegível na experiência do cotidiano. Belo Horizonte: UFMG, 2005. 105 p. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003.

TEIXEIRA, Renata Plaza; OTTA, Emma. Grafitos de banheiro: um estudo de diferenças de gênero. In: Estudos de Psicologia [online], v. 3, n. 2, Natal, 1998, p. 229-250. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/epsic/v3n2/a04v03n2.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2011.

WALLACE, Rex E. Introduction. In: ______. An introduction to wall inscriptions from Pompeii and Herculaneum: introduction, inscriptions with notes, historical commentary, vocabulary. Bolchazy-Carducci Publishers, Inc.: Wauconda, Illinois USA. 2005, p. ix-xlvi.


Autora: Aline Matias.


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A página do Facebook ‘Canetão nosso de cada dia’



Imagem do perfil da página



A prática de escrita dos grafitos tem sido divulgada na página do Facebook intitulada Canetão nosso de cada dia. No que diz respeito à página, não foram encontradas muitas informações sobre ela. Através da própria, é possível saber, por exemplo, que ela foi criada no dia 28 de julho de 2014. Não há informações precisas sobre quem administra a página. Na seção Sobre, diz-se apenas: “Sobre uma mulher gato que sai durante a noite para rabiscar um empoderamento doido ai”. Por meio dessa descrição, logo fica claro que a administradora compreende a sua ação de produzir grafitos como um ato de empoderamento feminino.

No dia 16 de agosto de 2014, ela publicou na timeline da página uma nota, na qual deixa bem claro quais são os seus objetivos: “empoderar meninas e mulheres das ruas, aquelas que não têm contato com o feminismo” e “incentivar outras mulheres a pichar [...], para que elas se empoderem nas ruas e empoderem outras mulheres”. Algo que fica bastante perceptível é que seus ideais são fortemente perpassados pelos ideais do movimento feminista. Além disso, vê-se que ela visa incentivar a prática que ela considera como pichação (mas que se considera aqui como grafito) e que ela compreende tal prática como uma forma de se promover o empoderamento da mulher, como uma forma de promover a perspectiva de valorização social da mulher.

Na página são disponibilizadas diversas imagens de grafitos produzidos em diferentes espaços públicos (banheiros públicos, ônibus e paradas de ônibus, monumentos, paredes e portas de edifícios, etc.). Tais grafitos trazem consigo a perspectiva de empoderamento feminino e trazem à tona temas relativos à mulher na contemporaneidade. Há, por exemplo, os que tratam da ideia de que a união entre as mulheres as torna fortes, os que se referem ao corpo feminino, entre outros.

É explorada a noção do direito da mulher sobre o seu próprio corpo e isso nos remete ao fato de que, segundo Perrot (2003, p. 23, grifo da autora), uma das bandeiras levantadas pelo feminismo contemporâneo é “[...] a necessidade de as mulheres se apropriarem delas, de lutarem pelo conhecimento e pela autonomia de seu corpo [...]”. Além dessa questão da autonomia do corpo da mulher, outro aspecto abordado em alguns grafitos é o da integridade do corpo feminino. Nesse sentido, há vários exemplos de imagens de grafitos que tratam da questão do assédio às mulheres, da violência sexual.


É bastante interessante uma das ações da “mulher gato” ao tratar sobre tais temas. Ela entrou em um banheiro público masculino que estava vazio e fez a seguinte intervenção:


Imagem publicada no dia 14 de agosto de 2014.


O caso da imagem acima se torna ainda mais significativo, pois, por meio de um comentário, a administradora da página revela que suas amigas, em sua maioria, já foram violentadas sexualmente e que ela também foi sexualmente abusada aos 10 anos de idade. Fica bastante visível que a sua experiência pessoal (ou seja, o fato de ter sido abusada sexualmente na infância) tem forte influência na forma como ela compreende a figura masculina de modo geral.

Nobre (2005, p. 7) afirma que a expressão “nosso corpo nos pertence”, utilizada pelo movimento feminista, recobre também “[...] o questionamento à imposição de padrões de beleza, de normas na sexualidade e na reprodução [...]”. Em algumas imagens de grafitos da já referida página do Facebook é possível verificar a ocorrência desse tipo de questionamento. Vejamos alguns exemplos:


Imagem publicada no dia 09 de setembro de 2014.

Imagem publicada no dia 13 de agosto de 2014.

Dentre os diversos debates que se dão no campo do feminismo estão os que giram em torno da questão em prol da liberalização do aborto. Tal questão é tratada pela responsável pelo projeto Canetão nosso de cada dia. Além da relação entre a mulher e seu corpo, os grafitos da página abordam também alguns dos aspectos que têm caracterizado a sexualidade feminina na contemporaneidade.

Se você quiser conhecer melhor a página é só acessar:


Além da página do Facebook, o projeto conta agora também com uma conta no Instagram, cujo endereço é http://instagram.com/vandalizararua.

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REFERÊNCIAS:

NOBRE, Miriam. O direito das mulheres a seu corpo. In: NOBRE, Miriam; FARIA, Nalu; SILVEIRA, Maria Lúcia. Feminismo e Luta das Mulheres: análise e debates. SOF: São Paulo, 2005, p. 7-14.

PERROT, Michelle. Os silêncios do corpo da mulher. In: MATOS, Maria Izilda Santos
de; SOIHET, Rachel. (Orgs.). O corpo feminino em debate.  São Paulo: Editora UNESP, 2003, p. 13-27.



Autora: Aline Matias.




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