Pouca porta para muito discurso


Recentemente, em visita a instituição escolar “X”,  deparei-me com uma situação pouco comum: grafitos espalhados na parte exterior da porta!
Ainda que um fato fora do comum, principalmente por “ferir” a privacidade, prezada pelos grafitos de banheiro (quando realizados no claustro da cabine), eles estão na porta provocando outros discursos.
O banheiro masculino do colégio, apesar de ser um pouco espaçoso, possui apenas uma cabine; o feminino, duas. Quando o espaço interior da porta foi totalmente tomado, os escritos transbordaram, indo parar no exterior dela. 
Nessa visita, algo que chamou bastante a atenção da coordenadora que acompanhou os registros foi na porta do banheiro masculino haver um grafito com uma reivindicação.  Segundo ela, as instalações que hoje pertencem ao colégio deveriam passar por uma reforma. Porém, até hoje o governo não iniciou as obras de reforma. Caso a reforma inicie juntamente com o ano letivo, as aulas serão suspensas.  Como a obra é grande, o colégio corre o risco de ficar sem funcionar durante este ano letivo, prejudicando os estudantes.  E um dos grafitos fazia referência justamente a isso, ao descaso do governo.
Para nós, que lidamos com o grafito, não é estranho que algumas vezes  temas sérios apareçam nas portas dos banheiros. A surpresa da coordenadora lembrou-me algo que li no blog do Tarsis Valentin, quando em conversa com o prof. Paulo Cézar Martins (Direito UESB), este citou o caso da greve  da COSIPA , organizada por operários durante o período da ditadura militar (CHAUÍ, 1986) utilizando justamente a porta de banheiro como meio de veicular, fazendo circular informações entre os trabalhadores. Provavelmente a ditadura não considerou a porta do banheiro como veículo de informação subversivo, porém os trabalhadores se utilizaram deste suporte e dos grafitos para subverter a ordem, organizando uma greve. De maneira semelhante, algum aluno do colégio "X" levou a sua insatisfação para a porta do banheiro, local onde  a coordenadora não imaginava que fosse mural para a reivindicações dos alunos.

Luana Alves

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A literatura proibida – Parte II



Gustavo Barbosa, autor do livro Grafitos de Banheiro: A Literatura Proibida (1984)



No post da semana passada, o tema abordado no blog foi o livro Grafitos de Banheiro: A Literatura Proibida (1984), de Gustavo Barbosa. Conforme prometido, no post de hoje, ele continua sendo objeto de análise, mas, agora, a proposta é a de apresentar as classificações dos grafitos realizadas pelo autor, além de mostrar exemplos de alguns dos escritos que ele encontrou em banheiros públicos de cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Campos e Angra dos Reis.

É importante pontuar, antes de tudo, que Barbosa (1984) apresenta duas classificações dos grafitos. Na primeira, os grafitos coletados em sua pesquisa são classificados quanto aos temas relacionados à sexualidade. Em uma das tabelas presentes em seu livro, ele indica quais são esses temas e seus subtemas:


§Sexualidade (homossexualismo, heterossexualismo, incesto, masturbação, adultério, sexo grupal, impotência, virgindade, castração, concepção, prostituição, ânus, falo, vagina);
§ Política (conjuntura nacional, debate ideológico, de classe, interna (inst.));
§  Drogas (maconha, cocaína, LSD, álcool, outras, menção genérica);
§  Excreção (fezes, urina, meleca, menstruação);
§  Morte (assassinato, suicídio, simples menção);
§  Dinheiro;
§  Futebol;
§  Religião;
§  Banheiro;
§  Grafitos.


Na segunda classificação, ele afirma ter deixado de dar enfoque ao tema dos grafitos, para observar o “[...] uso que se faz desse meio de expressão, em suas diversas formas. [...]” (BARBOSA, 1984, p. 139). Isso resultou na elaboração de 16 categorias correspondentes a tipos de grafitos:


§  Incitações panfletárias, slogans (política, drogas, religião);
§  Denúncias, reclamações;
§  Definições, juízos de valor;
§  Fofocas, boatos, rumores;
§Interpelações, agressões (intergrupais, inter-étnicas, pessoais e impessoais);
§ Divagações, confissões (de transgressões sociais, de transgressões sexuais, escatológicas, afetivas (amorosas), existenciais);
§  Anúncios;
§  Recados;
§  Chistes, máximas;
§  Trovas;
§  Palavrões soltos;
§  Assinaturas, nomes próprios;
§  Códigos, enigmas, charadas;
§  Desenhos com legenda;
§  Desenhos sem texto;
§  Respostas (feedback).


Sobre os slogans ou mensagens panfletárias, por exemplo, o autor pontua que:


Sua utilização em grafitos latrinários está ligada a mensagens que instigam, incitam, convocam, protestam ou exaltam de forma veemente, polêmica e às vezes satírica [...]. (BARBOSA, 1984, p. 140).


Veja exemplos desse tipo de grafito:


“Morte aos padrões!!!
Viva a liberdade!!!” (encontrado em um banheiro masculino de uma universidade no Rio de Janeiro)

“Tome consciência, mulher” (encontrado em um banheiro feminino de um cinema no Rio de Janeiro)

“Só Jesus Cristo salva!” (encontrado em um banheiro feminino de uma rodoviária no Rio de Janeiro)


As interpelações, provocações e xingamentos correspondem, de acordo com Barbosa (1984), às “[...] mensagens agressivas dirigidas ao próprio leitor (2ª pessoa, você), a uma 3ª pessoa determinada, e também provocações de um grupo contra outro [...].” (BARBOSA, 1984, p. 163). Eis um exemplo:


“Todos aqui
são filhos
de puta
com corno” (encontrado em um banheiro masculino de uma universidade em Minas Gerais)


Quanto às trovas, é dito o seguinte:


Versejar é costume apreciado entre os grafiteiros. E a forma mais popular entre os grafiteiros em versos é a trova, cuja composição nos banheiros costuma respeitar a sua forma tradicional: quatro versos setessílabos com rima. (BARBOSA, 1984, p. 174).


As trovas mais populares são as que se iniciam com “neste lugar solitário...”, mas, muitas outras podem ser encontradas nos banheiros. Para finalizar esse texto, trago dois exemplares que foram coletados por Barbosa (1984):


“Cagar é lei do mundo
cagar é lei do universo
cagou Dom Pedro Segundo
cagando fiz este verso” (encontrado em um banheiro masculino de uma escola no Rio de Janeiro)


“Merda não é tinta
Dedo não é pincel
Quando vier à privada
É favor trazer papel” (encontrado em um banheiro masculino de uma rodoviária de Minas Gerais)


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BARBOSA, Gustavo. Grafitos de banheiro: A literatura proibida. São Paulo: Brasiliense, 1984, 201 p.


Autora: Aline Matias.


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A literatura proibida– Parte I


Quando o assunto são os grafitos de banheiro, um livro que é bastante citado por outros autores é o de Gustavo Barbosa. Trata-se do Grafitos de Banheiro: A Literatura Proibida, publicado em 1984 pela editora Brasiliense.




A obra se encontra dividida, basicamente, em três partes. Após a parte que contém as considerações introdutórias do autor, há três blocos temáticos, cujos títulos são: Sexualidade e repressão, Lugares escondidos e Grafitos.

Na introdução, Barbosa (1984, p. 15) começa tratando do aspecto do “[...] caráter cultural de proibições tidas como naturais”. Posteriormente, ele deixa claro que a proposta de seu livro é a de analisar um dos fazeres socialmente “indesejáveis”:


[...] os grafitos produzidos em banheiros públicos, sob condições de anonimato, clandestinidade e privacidade que os distinguem dos ‘canais’ convencionais de comunicação. (BARBOSA, 1984, p. 16, grifo do autor).


Em sua análise, ele pretende investigar os motivos que levam à predominância de mensagens tidas como obscenas nos banheiros e por que a obscenidade é associada à noção de sexualidade ou de excreção. Além disso, ele se propõe a “[...] investigar o caráter de transgressão que marca esses escritos, e a sua pertinência com as instituições onde eles são veiculados.” (BARBOSA, 1984, p. 16), como também analisar “[...] os fatores circunstanciais que interferem na elaboração da mensagem, e o controle (censura) exercido pela instituição.” (BARBOSA, 1984, p. 16), as relações entre a escrita latrinária e o ato de defecar, a estigmatização dos aspectos referentes ao sexo e à excreção, entre outros.

No bloco temático Sexualidade e repressão, Barbosa (1984) aborda as noções de repressão, sublimação, perversão, sexualidade, proibição e transgressão. Para isso, ele toma como base as perspectivas de Sigmund Freud, de Wilhelm Reich, de Michel Foucault e de Georges Bataille.

Em Lugares escondidos, o segundo bloco temático do livro, o autor aponta, por exemplo, que as funções sexuais e excretórias do corpo humano são tidas socialmente como objetos de vergonha, de pudor e nojo. Outra questão que Barbosa (1984) trata nessa parte corresponde ao espaço do banheiro. Ele evidencia a sua percepção sobre o ato de ir ao banheiro afirmando que:


Mesmo tendo-se de passar pelas barreiras do controle institucional [...], ir ao banheiro é como ir viver num “território do eu”, reserva de intimidade e individualidade. Ao se isolar num reservado, o indivíduo experimenta sensações de anonimato, liberdade e segurança que fazem do WC um lugar propício a outras atividades socialmente proibidas, [...]. (BARBOSA, 1984, p. 75, grifo do autor).


Já no último bloco temático do livro, cujo título é Grafitos, além de apresentar a concepção de grafitos de Luiz Beltrão e Américo Pellegrini Filho, Barbosa (1984) trata de aspectos como: as técnicas de escrita dos grafitos; as técnicas de controle da produção dos grafitos; a metodologia adotada em sua pesquisa; as temáticas que predominaram nos grafitos que coletou; e a sua classificação dos grafitos quanto ao gênero (definido pelo autor como a forma literária dos grafitos e a forma com que eles se referem ao real ou se dirijam ao leitor).  

De acordo com Barbosa (1984), na classificação quanto gênero não foi dado enfoque ao tema dos grafitos, mas “[...] ao uso que se faz desse meio de expressão, em suas diversas formas. [...]” (BARBOSA, 1984, p. 139). O resultado de tal classificação foi o estabelecimento de 16 categorias de grafitos, que serão abordadas em um próximo post do blog.

Composto por exemplos diversos de grafitos (provenientes de locais diversos e de cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Campos e Angra dos Reis) coletados para a pesquisa e por reproduções de desenhos encontrados neles, o livro Grafitos de Banheiro: A Literatura Proibida é mais uma obra que evidencia os escritos de banheiros como “[...] uma literatura rica em significações para o conhecimento de aspectos fundamentais da cultura humana.” (BARBOSA, 1984, p. 17).


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BARBOSA, Gustavo. Grafitos de banheiro: A literatura proibida. São Paulo: Brasiliense, 1984, 201 p.


Autora: Aline Matias.

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“Onde as paredes falam”




Na semana passada, publicamos nosso primeiro texto literário contendo o grafito enquanto temática. Hoje, apresentaremos mais um texto no qual o grafito aparece como prática social de escrita.
Mas não é só a literatura que tem explorado os grafitos. Ludmila dos Santos explorou os grafitos através do olhar artístico em banheiros públicos da cidade de São Paulo (Triste sina ser poeta de latrina: um estudo antropológico/artístico dos grafitos de banheiro) e Lorena Marinho, da área de design gráfico, também fez isso por meio de uma mescla entre fotografia e fragmentos de textos. Em seu livreto Onde as paredes falam (2009), a design reúne algumas fotografias retiradas de banheiros públicos de Belo Horizonte e região e as une com fragmentos de textos dos livros de Gustavo Barbosa Grafitos de banheiro: A literatura proibida e de Renata Plaza Grafitos de banheiro: um estudo de diferença de gênero.
Não tive acesso à obra completa, mas através do site da autora, pude apreciar algumas páginas desse trabalho. É bem interessante como a cor do papel, bem como o acabamento, corroboram para uma perfeita harmonia com o material /tema do ensaio. Assim como nós e muitos outros, Lorena Marinho também leva os grafitos de banheiro à sério.
Durante todo o livreto, a design se utiliza de setas (recurso bastante utilizado para criar link com algum discurso em porta de banheiro) para nos apresentar diversos textos dialogando com a imagem e com os trechos dos livros já citados.
Sem dúvidas, para os amantes dos grafitos, como nós, o livreto de 32 páginas resulta em um belo trabalho de reflexão acerca dos grafitos.
Para ter acesso a algumas páginas de Onde as paredes falam, basta clicar no link abaixo:




Autora: Luana Alves

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