Os graffiti de Pompeia e os grafitos de banheiro



Aqueles que pensam que a prática de escrita de grafitos de banheiro é algo recente e que essa prática é apenas característica da contemporaneidade podem se surpreender ao saber que os grafitos têm sido produzidos, por exemplo, desde o período da Antiguidade romana. De acordo com Barbosa (1984, p. 77), “[...] a produção de grafitos se espalha por muitas paredes afora [...]”. O autor afirma que “[...] a comunicação através de grafitos tem papel marcante na história da cultura humana”.

Os grafitos de banheiro produzidos na contemporaneidade mantêm estreita relação com práticas de escrita de outros contextos históricos. Um exemplo disso são as inscrições que foram produzidas nos muros e paredes que se espalhavam por Pompeia e, até mesmo, em paredes das casas de banho da antiga cidade romana.


Dentre as informações que aparecem de forma recorrente nos estudos sobre os graffiti de Pompeia estão a questão de sua intensa produção e o fato de que eram inscritos em diversos locais, tais como: paredes internas  e externas de casas, locais de comércio, casas públicas de banho,  bordeis, entre outros. (WALLACE, 2005).  Segundo Teixeira e Otta (1998), “[...] os romanos produziam inscrições em grego nas paredes dos banheiros de suas casas [...]” (NETO, 1992 apud TEIXEIRA; OTTA, 1998, p. 231). Abaixo há duas imagens de graffiti que se encontram inscritos nas paredes dos banhos Stabian:


Exemplo (1) de inscrição parietal encontrada nos banhos Stabian,
em Pompeia. 
Fotográfo: Francis Norman (2012). Fonte: (https://www.flickr.com/groups/pompeii/pool/with/83962226
55/lightbox/).
 

Exemplo (2) de inscrição parietal encontrada nos banhos Stabian,
em Pompeia. 
Fotográfo: Francis Norman (2012). Fonte: (https://www.flickr.com/groups/pompeii/pool/with/83973032
80/lightbox/).


Vale destacar que os espaços das casas de banho ou termas, abrangiam necessidades particulares, comerciais e públicas. As pessoas as usavam não apenas para a higiene pessoal. Nelas, elas desfrutavam também de alguns lazeres, pois, as termas eram equipadas com diversos tipos de facilidades que iam além da função principal de lavar-se.

Tomando por base a perspectiva de Martins (2003, p. 77) é possível afirmar que os grafitos de banheiro fazem parte de uma “[...] arqueologia que remonta aos graffiti de Pompeia e manifesta a existência de vozes efêmeras que se diluem no fluxo da história”.

Em Pompeia, uma enorme quantidade de inscrições foi deixada em praticamente todos os espaços disponíveis nos muros e paredes da cidade, sendo um desses espaços as casas de banho. Na atualidade, o homem, em sua necessidade de se comunicar, continua a produzir inscrições e ele faz isso até mesmo no espaço das cabines dos banheiros públicos. As cabines acabam se tornando um “[...] mural de garantida audiência para nossas acertadas e espirituosas observações sobre nós mesmo, sobre o mundo, sobre tudo [...]” (BARBOSA, 1984, p. 77).

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REFERÊNCIAS:


BARBOSA, Gustavo. Grafitos de banheiro: A literatura proibida. São Paulo: Brasiliense, 1984, 201 p.

MARTINS, Bruno Guimarães. Tipografia popular: Potências do ilegível na experiência do cotidiano. Belo Horizonte: UFMG, 2005. 105 p. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003.

TEIXEIRA, Renata Plaza; OTTA, Emma. Grafitos de banheiro: um estudo de diferenças de gênero. In: Estudos de Psicologia [online], v. 3, n. 2, Natal, 1998, p. 229-250. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/epsic/v3n2/a04v03n2.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2011.

WALLACE, Rex E. Introduction. In: ______. An introduction to wall inscriptions from Pompeii and Herculaneum: introduction, inscriptions with notes, historical commentary, vocabulary. Bolchazy-Carducci Publishers, Inc.: Wauconda, Illinois USA. 2005, p. ix-xlvi.


Autora: Aline Matias.


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A página do Facebook ‘Canetão nosso de cada dia’



Imagem do perfil da página



A prática de escrita dos grafitos tem sido divulgada na página do Facebook intitulada Canetão nosso de cada dia. No que diz respeito à página, não foram encontradas muitas informações sobre ela. Através da própria, é possível saber, por exemplo, que ela foi criada no dia 28 de julho de 2014. Não há informações precisas sobre quem administra a página. Na seção Sobre, diz-se apenas: “Sobre uma mulher gato que sai durante a noite para rabiscar um empoderamento doido ai”. Por meio dessa descrição, logo fica claro que a administradora compreende a sua ação de produzir grafitos como um ato de empoderamento feminino.

No dia 16 de agosto de 2014, ela publicou na timeline da página uma nota, na qual deixa bem claro quais são os seus objetivos: “empoderar meninas e mulheres das ruas, aquelas que não têm contato com o feminismo” e “incentivar outras mulheres a pichar [...], para que elas se empoderem nas ruas e empoderem outras mulheres”. Algo que fica bastante perceptível é que seus ideais são fortemente perpassados pelos ideais do movimento feminista. Além disso, vê-se que ela visa incentivar a prática que ela considera como pichação (mas que se considera aqui como grafito) e que ela compreende tal prática como uma forma de se promover o empoderamento da mulher, como uma forma de promover a perspectiva de valorização social da mulher.

Na página são disponibilizadas diversas imagens de grafitos produzidos em diferentes espaços públicos (banheiros públicos, ônibus e paradas de ônibus, monumentos, paredes e portas de edifícios, etc.). Tais grafitos trazem consigo a perspectiva de empoderamento feminino e trazem à tona temas relativos à mulher na contemporaneidade. Há, por exemplo, os que tratam da ideia de que a união entre as mulheres as torna fortes, os que se referem ao corpo feminino, entre outros.

É explorada a noção do direito da mulher sobre o seu próprio corpo e isso nos remete ao fato de que, segundo Perrot (2003, p. 23, grifo da autora), uma das bandeiras levantadas pelo feminismo contemporâneo é “[...] a necessidade de as mulheres se apropriarem delas, de lutarem pelo conhecimento e pela autonomia de seu corpo [...]”. Além dessa questão da autonomia do corpo da mulher, outro aspecto abordado em alguns grafitos é o da integridade do corpo feminino. Nesse sentido, há vários exemplos de imagens de grafitos que tratam da questão do assédio às mulheres, da violência sexual.


É bastante interessante uma das ações da “mulher gato” ao tratar sobre tais temas. Ela entrou em um banheiro público masculino que estava vazio e fez a seguinte intervenção:


Imagem publicada no dia 14 de agosto de 2014.


O caso da imagem acima se torna ainda mais significativo, pois, por meio de um comentário, a administradora da página revela que suas amigas, em sua maioria, já foram violentadas sexualmente e que ela também foi sexualmente abusada aos 10 anos de idade. Fica bastante visível que a sua experiência pessoal (ou seja, o fato de ter sido abusada sexualmente na infância) tem forte influência na forma como ela compreende a figura masculina de modo geral.

Nobre (2005, p. 7) afirma que a expressão “nosso corpo nos pertence”, utilizada pelo movimento feminista, recobre também “[...] o questionamento à imposição de padrões de beleza, de normas na sexualidade e na reprodução [...]”. Em algumas imagens de grafitos da já referida página do Facebook é possível verificar a ocorrência desse tipo de questionamento. Vejamos alguns exemplos:


Imagem publicada no dia 09 de setembro de 2014.

Imagem publicada no dia 13 de agosto de 2014.

Dentre os diversos debates que se dão no campo do feminismo estão os que giram em torno da questão em prol da liberalização do aborto. Tal questão é tratada pela responsável pelo projeto Canetão nosso de cada dia. Além da relação entre a mulher e seu corpo, os grafitos da página abordam também alguns dos aspectos que têm caracterizado a sexualidade feminina na contemporaneidade.

Se você quiser conhecer melhor a página é só acessar:


Além da página do Facebook, o projeto conta agora também com uma conta no Instagram, cujo endereço é http://instagram.com/vandalizararua.

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REFERÊNCIAS:

NOBRE, Miriam. O direito das mulheres a seu corpo. In: NOBRE, Miriam; FARIA, Nalu; SILVEIRA, Maria Lúcia. Feminismo e Luta das Mulheres: análise e debates. SOF: São Paulo, 2005, p. 7-14.

PERROT, Michelle. Os silêncios do corpo da mulher. In: MATOS, Maria Izilda Santos
de; SOIHET, Rachel. (Orgs.). O corpo feminino em debate.  São Paulo: Editora UNESP, 2003, p. 13-27.



Autora: Aline Matias.




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"Os grafites como veículo de mensagens sexuais"

Como já mostrado aqui neste blog, em sua dissertação de mestrado, Costa Neto investiga as interações homossexuais em banheiros da UFRN. Para isso, o autor inicia seu trabalho analisando as interações que se dão nas portas dos banheiros através dos grafitos, considerando-os como uma forma de apropriação dos espaços dos banheiros.
Inicialmente, o autor recorre à história e mostra que o grafite é uma prática antiga na história do Brasil. Além disso, o autor preocupa-se em diferenciar os grafites de rua dos que são produzidos dentro do espaço do banheiro (o autor usa o termo grafite para referir-se “tanto aos desenhos, pinturas e pichações de ruas como às inscrições das mensagens nos banheiros públicos.” (COSTA NETO, 2005, p.40))


Grafite de banheiro
Grafite de rua
Mensagem
Teor Pessoal
Ligada a grupos
Instrumento de escrita
Canetas esferográficas e hidrográficas, estileites, canivetes, etc.
Spray e tinta

No início da sua pesquisa, Costa Neto tenta interagir com autores dos grafites de banheiro, deixando contato (e-mail e telefone) nas portas das cabines. Entretanto, ao ser contactado e revelado que se tratava de uma pesquisa acadêmica, o autor não obteve êxito, visto que as pessoas só entravam em contato com um único objetivo: marcar encontro sexual.  Ao descobrir que se tratava de uma pesquisa, desistiam de manter contato ou se expor.
Ao fazer o movimento contrário, Costa Neto também não alcança grandes resultados.  Apenas um dos habitués aceita colaborar com a pesquisa.

Os grafites como veículos das mensagens sexuais
Após a coleta dos grafites, Costa Neto reuniu todo material e partiu para classificação, na qual os grafites foram separados conforme local onde foram encontrados e posteriormente por tema. Nesta fase, buscou-se identificar os grafites com a temática homoerótica, interesse principal dessa pesquisa.
O autor destaca a presença de número de telefone celular e endereço eletrônico como característica peculiar grafitos atuais, ou seja, o que vai para as portas, nada mais é que um reflexo da atual sociedade.  Outro aspecto importante é o fato dos endereços deixados na porta apresentarem-se de maneira bastante impessoal (pelointimo@ig.com.br; entreiguais69@hotmail.com) .

Sendo assim, Costa Neto acredita que além de manifestar/comunicar seus desejos aos demais, aquele que grafita abre espaço também para interação com o outro. E muitas vezes, o grafito naquele espaço constitui-se não apenas como meio de expressão, como também de viabilização de interações/encontros sexuais.

REFERÊNCIA
COSTA NETO, Francisco Sales da.Banheiros públicos: bastidores das práticas sociais. . Natal: UFRN,2005. p. 62-82. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)- Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2005.


Autora: Luana Alves

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Datilograffiti


Alguma vez você já ouviu falar em datilograffiti?

Eu, por exemplo, até pouquíssimo tempo, desconhecia a expressão completamente.  Mas, em minhas buscas pela Internet sobre materiais referentes aos grafitos de banheiro, eu acabei me deparando com ela.


Logo que eu a encontrei, tomei conhecimento de que a expressão foi cunhada por Glauco Mattoso, pseudônimo de Pedro José Ferreira da Silva, que, além de escritor, atua também como poeta, ficcionista, ensaísta, letrista, colunista, “fanzineiro” e tradutor.


Glauco Mattoso



Gagliardi e Marques (2005) apontam como a vida e a obra de Glauco Mattoso convergem entre si:


G. Mattoso atribui à formação como bibliotecário (formou-se também em Letras Vernáculas, na USP) a poesia meticulosamente organizada em séries temáticas; à cegueira (decorrente de um glaucoma progressivo que lhe roubou integralmente a visão em 1995), a predileção pela forma fixa, nomeadamente o soneto (que o permitiria escrever de memória), e o pseudônimo (glaucomatoso: “Adj. e s.m. Que ou aquele que tem glaucoma”); à condição de homossexual, não raramente associada à deficiência visual, a autovitimação e a segregação social; e às humilhações vivenciadas na infância, o posicionamento contracultural, norteado pela denúncia à opressão (da ditadura ao trote), da sátira à vida política e burguesa, do escárnio cultural, da brutalidade social, da provocação à ordem, do fetichismo podólatra, da simbologia fecal e da obscenidade. G. Mattoso entende, em síntese, o exercício da poesia como forma de “vingança mental” contra humilhações sobretudo pessoais. (GAGLIARDI; MARQUES, 2005, s/p).


Em seu site, Neme (2007) afirma que o escritor sempre abordou em suas obras “[...] temas polêmicos, transgressivos ou politicamente incorretos [...] que lhe alimentam a reputação de ‘poeta maldito’ [...]”. 

Quanto à expressão datilograffiti, Gagliardi e Marques (2005) informam:


[...] o "datilograffiti", do “Jornal Dobrabil”, [...] designa um fanzine de protesto político, escrito à máquina, em que o poeta incorpora a exploração espacial da página e diferentes tamanhos de fontes, já praticados pelos concretistas, ao prosaísmo do que chama de “literatura de mictório”, ou seja, grafites de banheiro público. (GAGLIARDI; MARQUES, 2005, s/p).


Neme (2007) também informa que Glauco usa a expressão para designar “[...] a linguagem chula dos grafitos de banheiro transportada para o papel através da máquina de escrever [...]”.

Glauco Mattoso explorou o datilograffiti (caracterizado pela exploração do espaço visual da página, da tipografia das letras, evidenciando a herança concretista) não apenas no Jornal Dobrabil, mencionado por Gagliardi e Marques (2005) na citação anterior e que foi produzido entre os anos de 1977 e 1981, mas também em outras publicações, tais como: Revista Dedo Mingo, Memórias de um Pueteiro e Línguas na Papa.


Dentre os aspectos que aproximam o datilograffiti proposto por Glauco e os grafitos de banheiro estão as referências à escatologia, ao erotismo, às obscenidades. Veja a seguir um dos textos do Jornal Dobrabil:





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REFERÊNCIAS:


GAGLIARDI, Caio; MARQUES, Pedro. Entrevista com Glauco Mattoso. 2005. Disponível em: < http://www.criticaecompanhia.com.br/GlaucoMa
ttoso.htm>. Acesso em: 04 set. 2014.

NEME, Marcus. Glauco Mattoso recitando – Youtube (vídeo). 2007. Disponível em: <http://marcusneme.arteblog.com.br/1927/glauco-mattoso-recitando-yout-ube-video/>. Acesso em: 04 set. 2014.


Autora: Aline Matias.
  

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"Banheiros públicos: os bastidores das práticas sexuais"


No texto anterior, Aline trouxe um resumo da nossa apresentação no X Enecult: "MULHER FAZ ISSO? EU NÃO ACREDITO!"- UMA ANÁLISE DOS GRAFITOS PRODUZIDOS EM BANHEIROS FEMININOS. Hoje, apresentamos ao público leitor a dissertação de mestrado de  Francisco Sales da Costa Neto, cujo título é: "Banheiros públicos: os bastidores das práticas sexuais". Segundo o autor, ao transformar o espaço do banheiro como espaço para práticas sexuais, esses sujeitos  subvertem a ordem. 

O ator destaca diversos trabalhos etnográficos (DOUGLAS, 1978; PERLONGER, 1987; HUMPHREYS, 1973) sobre relações sexuais no banheiro (habitués).
Em seu trabalho, as interações homoeróticas que se dão no espaço no banheiro são tidas como mais uma maneira de expressar a sexualidade masculina.

Costa Neto (2005) destaca a importância da análise dos grafitos de banheiro na fase inicial da pesquisa  (p.36).  Ele conta, por exemplo, que tentou entrar em contato com alguns dos endereços eletrônicos e telefones deixados nas portas, mas não obteve muito sucesso ao declarar que estava fazendo uma pesquisa. Nessa pesquisa, o grafito se constitui como um elemento de comunicação e apropriação deste espaço.
O autor toma apenas as interações ocorridas no interior dos banheiros da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) como fato para análise. Entretanto, ele observa também interações (habitués, pegação) em outros banheiros (banheiros de shoppings, rodoviária, supermercados) comparando-as com as observadas nos banheiros da universidade.

As interações sexuais dentro dos banheiros são proibidas por lei, assim como as pichações. Entretanto, como ressalta Costa Neto (2005), não é difícil encontrá-las. 

Como já dito, embora o foco do autor sejam as interações sexuais homoeróticas, ele leva em consideração também as interações que se dão por meio dos grafitos.  E será sobre isso que iremos falar no próximo texto.


REFERÊNCIAS:

COSTA NETO, Francisco Sales da. Banheiros públicos: bastidores das práticas sociais. . Natal: UFRN,2005. 132f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)- Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2005.


Autora: Luana Alves.






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Pessoal, tem novidade na área !!! 

Se você já segue o projeto ‘Grafitos de Banheiro’ através da página do Facebook, do blog, do tumblr e do canal do Youtube, a partir de agora você poderá nos seguir também no Twitter.  

Para isso, é só acessar: https://twitter.com/GBanheiro

Esperamos por você ! :D


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“MULHER FAZ ISSO?! EU NÃO ACREDITO!”- UMA ANÁLISE DOS GRAFITOS PRODUZIDOS EM BANHEIROS FEMININOS






Entre os dias 27 e 29 de agosto de 2014, foi realizado na Universidade Federal da Bahia (UFBA) o X ENECULT (Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura), um evento cujo objetivo principal é o de fomentar a interlocução entre os estudiosos da cultura em uma perspectiva transversal e multidisciplinar. Durante o evento foram apresentados diversos trabalhos inseridos em eixos temáticos como Culturas digitais; Culturas e América Latina; Culturas e artes, Culturas e narrativas audiovisuais; Culturas e mídias; Culturas, gêneros e sexualidades; entre outros.

Eu e minha colega Luana Santos participamos do evento no dia 27,  apresentando um trabalho cujo título foi “MULHER FAZ ISSO?! EU NÃO ACREDITO!”- UMA ANÁLISE DOS GRAFITOS PRODUZIDOS EM BANHEIROS FEMININOS. Em nossa apresentação, nós esclarecemos, logo de início, que o título de nosso trabalho traz consigo a expressão de espanto de um homem que tomou conhecimento de alguns dos escritos presentes em portas de banheiros femininos da UFBA, escritos esses que foram apresentados por nós em uma das sessões de comunicações do SEPESQ (Seminário Estudantil de Pesquisa em Letras) 2011, um evento que acontece no curso de Letras. Por meio da fala de espanto dele, nós pudemos perceber que o que ele viu através dos grafitos não era nada daquilo que ele esperava ter sido produzido por uma mulher. 

Nós tomamos a oração “MULHER FAZ ISSO?! EU NÃO ACREDITO!” como ponto de partida para a reflexão que propomos, buscando pensar um pouco sobre alguns dos aspectos que têm caracterizado a produção escrita feminina nas portas dos banheiros.

Um dos tópicos que tratamos foi Mulher e o espaço do banheiro público: Compreendendo suas relações. Para abordá-lo, nós tomamos por parâmetro as perspectivas de Preciado (2002), Almeida (2009) e Maia (2012). Destacamos, por exemplo, que a divisão dos banheiros em masculino e feminino é uma construção moderna marcada por relações de poder. De acordo com Maia (2012):


O controle dos corpos ocorre antes mesmo de entrarmos em um banheiro. Já na porta somos questionados sobre o nosso gênero; não nos é perguntado se vamos mijar ou se vamos cagar, somos, sim, interpelados pelo nosso sexo/gênero: somos homens ou mulheres?(MAIA, 2012 p. 2).



No mesmo tópico, nós falamos sobre como a construção do feminino se dá dentro e fora das cabines. No que diz respeito à construção da feminilidade dentro das cabines, por exemplo, a mulher, mesmo em espaço público, dispõe praticamente da mesma privacidade que têm no banheiro doméstico, ao contrário dos homens que, ao irem ao mictório, são expostos ao olhar do outro.

No tópico intitulado O que estudos sobre os grafitos de banheiro têm apontado, nós procuramos destacar a informação de que, embora nas portas de banheiros seja possível que qualquer escrita seja protegida pelo anonimato, até pouco tempo, a escrita feminina de grafitos se mostrava um tanto tímida, tanto que, em 1967, Landy e Steele apontaram, em seu estudo, que os homens produzem significantemente mais grafitos do que as mulheres. Outra informação destacada corresponde ao fato de que é comum se considerar que temas de cunho sexual ocorrem mais em banheiros masculinos do que em femininos.

Já, no tópico A escrita feminina nas portas das cabines dos banheiros: O caso da UFBA, trouxemos à tona o fato de que, de acordo as pesquisadoras Teixeira e Otta (1998), Lanny Kutakoff, no estudo cujo título é Sex diferences in bathroom graffiti (1972), fez a análise de grafitos encontrados em banheiros de faculdades localizadas em Boston e constatou que os grafitos femininos se mostraram mais conservadores e convencionais. Essa constatação de Lanny Kutakoff dialoga com as próprias considerações de Teixeira e Otta (1998), pois elas dizem que:


Surpreendentemente, grafitos de banheiro têm revelado atitudes tradicionais de papéis sexuais. Apesar de a privacidade e o anonimato estarem garantidos nos banheiros, vários pesquisadores descobriram que autores de grafitos frequentemente seguiram estratégias de comunicação socialmente condicionadas. (TEIXEIRA; OTTA, 1998, p. 234).
        

Entretanto, nós percebemos que, pelo menos nos banheiros femininos da UFBA, as autoras dos grafitos não parecem se conformar tanto com os padrões sociais. Muitas delas acabam quebrando certos padrões. Para alguns, essa quebra ainda é vista com grande surpresa. Prova disso, é o título deste trabalho.

Levando em consideração os aspectos apontados acima, eu e Luana buscamos analisar em nosso trabalho a ocorrência dessa escrita de grafitos nos banheiros femininos, bem como analisar como os temas tidos como “não femininos” ocorrem nestes espaços. Nós usamos a expressão “não femininos” para nos referirmos aos temas que, para alguns, não são tidos como integrantes do universo das mulheres, mas sim dos homens. Visão essa que é resultante de estereótipos de gênero que ainda persistem na sociedade contemporânea e a partir dos quais se constrói um imaginário do que estaria ou não relacionado à mulher.

Uma das imagens de grafitos que exibimos em nossa apresentação foi a seguinte:



Grafito encontrado em um dos banheiros femininos do Pavilhão de Aulas da Federação I (PAF I), da Universidade Federal da Bahia. Campus de Ondina, Salvador. Ano: 2011. Fonte: Tumblr Grafitos de Banheiro.



Nela, vemos que a produtora do grafito, nas condições de anonimato e de liberdade de expressão proporcionadas pela cabine do banheiro, assume ter se masturbado. Apesar de a masturbação corresponder a uma prática sexual tida como socialmente proibida, o banheiro se apresenta não só como local propício para tal prática, como também para a livre expressão de que ela foi realizada, expressão essa que se dá por meio dos grafitos.

De modo geral, o que nós pudemos perceber ao analisar alguns grafitos produzidos em banheiros femininos da UFBA é que temas tidos como “não femininos”, temas que ainda são tabus em nossa sociedade, aparecem nos grafitos juntamente com aqueles que muitos acreditam que fazem parte do universo feminino, que são os temas românticos, filosóficos e religiosos.

Conforme afirma Couy (2005), os grafitos femininos têm nos mostrado uma escrita feminina totalmente diferente da que se espera: ao invés de linguagem metaforizada, discreta, nos grafitos tudo é dito de maneira direta.

A perspectiva a qual nós chegamos foi a de que tudo pode ser dito na porta do banheiro, graças à privacidade e anonimato conferidos ao sujeito neste espaço. (BARBOSA, 1984). Como afirma Santos (2011), “os banheiros não só ouvem como também falam”, e atentar para esta “fala” foi o foco de nosso trabalho.


A seguir, você confere um breve trecho de nossa apresentação no X ENECULT:







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REFERÊNCIAS:


ALMEIDA, Katianne de S. (2009). O banheiro de portas abertas: entre o público e o privado. Disponível em: <http://mestradoemantropologia.blogspot.com.br/
2009/06/o-banheiro-de-portas-abertas-entre-o.html>. Acesso em: 20 jan. 2014.

BARBOSA, Gustavo. Grafitos de banheiro: A literatura proibida. São Paulo: Brasiliense, 1984, 201 p.

COUY, Venus Brasileira. Mural dos nomes impróprios: ensaio sobre grafito de banheiro. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2005, 117 p.

LANDY, Eugene E.; STEELE, John M. (1967). Graffiti as a function of building utilization. Perceptual and Motor Skills, vol. 25, 1967, p. 711-712.

MAIA, Helder Thiago Cordeiro. Acorda Alice, aluga um filme pornô - Uma leitura dos banheiros masculinos da UFBA. In: Revista Latino-Americana de Geografia e Gênero: Ponta Grossa, n. 3, feb. 2012. Disponível em:<http://www.revistas2.uepg.br/index.php/rlagg/
article/view/1837>. Acesso em: 22 abr. 2014.

PRECIADO, Beatriz. (2002). Basura y Género, Mear/Cagar. Masculino/Femenino. Disponível em: <http://www.hartza.com/basura.htm.>. Acesso em: 22 abr. 2014.

SANTOS, Ludmila Helena Rodrigues dos. Paredes que ouvem e portas que falam: uma etnografia de banheiros, grafitos e interações. In: VII ENECULT - ENCONTRO DE ESTUDOS MULTIDISCIPLINARES EM CULTURA, 2011, Salvador. Disponível em: <http://www.enecult.ufba.br/modulos/consulta&
relatorio/rel_download.asp?nome=33961.pdf>. Acesso em: 18 maio 2012.

TEIXEIRA, Renata Plaza; OTTA, Emma. Grafitos de banheiro: um estudo de diferenças de gênero. In: Estudos de Psicologia [online], v. 3, n. 2, Natal, 1998, p. 229-250. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/epsic/v3n2/a04v03n2.
pdf>. Acesso em: 12 dez. 2011.



Autora: Aline Matias.





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TRASH IT UP: arte nos banheiros

Ao navegarmos pela internet, estamos sempre em busca de algo relacionado aos grafitos. E quando encontramos trabalhos que dialogam com este que realizamos é sempre bom, pois além de mostrarem que o potencial dos grafitos de banheiro está sendo reconhecido por outras pessoas, mostram também que não estamos sós.  Recentemente, encontrei o blog <http://www.trashitup.blogspot.com.br/> da Ana Bean, e lá fui direcionada ao seu Tumblr <http://anabean.tumblr.com/> o qual possui uma proposta bem semelhante a do nosso Tumblr <www.tumblr.com/grafitosdebanheiro>. Além de publicar fotografias tiradas por ela, Ana conta também com a participação de internautas no envio de fotos de grafitos de diversos espaços.

Veja algumas imagens retiradas do Tumblr:

 
 
 


A blogueira considera os grafitos como manifestação artística, assim como Santos (2012):


Grafitos de banheiro é um termo usado que busca ser abrangente tanto dos escritos como das manifestçãoes artíticas ou estilísticas encontradas em banheiros: que podem ser grafites, marcas pessoais, desenhos, tag’s, pichações, dizeres que particularizam e identificam um determinado produtor, etc. (SANTOS, 2012, p.20)


Ana coleciona grafitos há mais de cinco anos (dos grafitos de banheiro público às pichações nos muros), porém, em 2009, ela decidiu separar os grafitos de banheiro e reuní-los no Tumblr.


Quem já conhece o nosso Tumblr com certeza irá gostar do TRASH IT UP. Para quem ainda não conhece, basta clicar no link abaixo. 


Autora: Luana Alves.

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Internetês: Das salas de bate-papo para a porta de banheiro


Em sua dissertação de mestrado Inscrições de si: Da porta de banheiro ao chat (2005), Bordin (2005) aponta que a prática de escrita dos grafitos de banheiro mantém relação com as salas de bate-papo na Internet, na medida em que um indivíduo marcaria a sua presença na porta do banheiro e acabaria fazendo o mesmo quando cria um apelido para entrar em uma sala de bate-papo.

O presente texto busca mostrar que há outro aspecto que indica a confluência entre o contexto virtual das salas de bate-papo e contexto das portas de banheiro. Tal aspecto é a ocorrência do internetês em ambos.

No que diz respeito ao internetês, é válido esclarecer que ele consiste em uma forma diferenciada de exercitar a linguagem escrita. Sua origem se deu no âmbito da comunicação mediada pelo computador em bate-papo em chats, blogs, MSN, entre outros. É comum que se considere que o internetês como degradação, deturpação da língua. Entretanto, o que se deve ter em mente é que ele corresponde a um fenômeno que faz parte da dinâmica sócio-histórica estabelecida nas relações entre o indivíduo, a língua e as novas tecnologias, e que nada mais é do que “[...] um modo situado de funcionamento da linguagem.”  (ROJO, 2009, p. 105).

A escrita dos grafitos de banheiro se aproxima em algumas situações da escrita do internetês. Nesse sentido, é possível encontrarmos nos grafitos, por exemplo, o uso constante de abreviaturas resultantes da redução de palavras, tal como ocorre nos exemplos abaixo, nos quais kd e vc são usados para indicar as palavras cadê e você, respectivamente:


Grafitos encontrados em um dos banheiros femininos do Pavilhão de Aulas da Federação I (PAF I), da Universidade Federal da Bahia. Salvador/BA. Ano: 2011. Fonte: Tumblr Grafitos de Banheiro

Grafito encontrado em um banheiro masculino de um dos blocos de aulas do campus do Gragoatá da UFF (Universidade Federal Fluminense). Niterói/RJ. Ano: 2014. Imagem cedida por: Janderson Toth, do tumblr Galerias Marginais. Fonte: Tumblr Grafitos de Banheiro


Além disso, nos grafitos, são também realizadas marcações de pontuação expressivas, em que aparecem blocos de interrogações, exclamações ou mesmo os dois sinais de pontuação juntos, e a marcação da sílaba tônica de palavras por meio da letra h no final da palavra (como, por exemplo, eh para indicar é). Aspectos esses que também caracterizam o internetês.


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REFERÊNCIAS:


BORDIN, Dagoberto José. Inscrições de si: da porta de banheiro ao chat. 2005. 79f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Linguagem) - Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça. Disponível em: <http://busca.unisul.br/pdf/79337_Dagoberto.pdf >. Acesso em: 22 jun. 2011.

ROJO, Roxane. Letramento (s): Práticas de letramento em diferentes contextos. In: ____________.  Letramentos Múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2009, p. 94-121.


Autora: Aline Matias.



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