Identidade e ideologia: A natureza dialógica da latrinália





Adam Trahan. Fonte: http://pacs.unt.edu/
O título do post de hoje é a tradução do título de um artigo (Identity and ideology: The dialogic nature of latrinalia) escrito por Adam Trahan, que atua na Universidade do Norte do Texas (UNT) nos Estados Unidos, mais especificamente no Departamento de Justiça Criminal.

Trahan (2011) considera que se nós observarmos e analisarmos os graffiti através da lente da cultura, o contexto específico em que eles aparecem pode ser um poderoso determinante de seus conteúdos e finalidades.

Fazendo uma breve revisão de literatura, ele cita o trabalho de Alan Dundes, realizado em 1966, como um dos primeiros estudos empíricos sobre os grafitos de banheiros públicos. Conforme Trahan (2011) aponta, Dundes desenvolveu uma taxonomia dos diferentes temas comumente abordados nos grafitos e seu estudo influenciou trabalhos desenvolvidos posteriormente, que passaram a se dividir, basicamente, em duas áreas de investigação: análise do conteúdo dos grafitos e diferenças entre gêneros. Além do trabalho de Alan Dundes sobre os grafitos de banheiro, há também os trabalhos de Kinsey et al. (1953); Farr e Gordon (1975); Arluke, Kutakoff e Levin (1987); e Bartholome e Snyder (2004).

Na visão de Trahan (2011), o que tem faltado na pesquisa acadêmica é uma exploração da latrinália (termo criado por Alan Dundes, em 1966, para se referir aos graffiti produzidos no espaço do banheiro público) como discurso social. Para o autor, não há muitas pesquisas empíricas sobre as características comunicativas da latrinália.

Em seu artigo, Adam Trahan apresenta alguns dos aspectos que caracterizaram a pesquisa que ele realizou em 42 banheiros masculinos de sete diferentes edifícios localizados em campus universitário. Nesses banheiros, coletou 323 grafitos. Durante o processo de coleta dos dados, ele fez também uma observação discreta do comportamento dos usuários dos banheiros, a fim de identificar as regras socioculturais que regulam o comportamento individual e interação nos banheiros masculinos.

 Trahan (2011) afirma que observou, por exemplo, quatro regras que regiam o comportamento dos usuários no banheiro:


1)     Sem conversa – homens não conversam no banheiro.
2)   Sem contato visual – homens olham diretamente para a parede à frente de seus rostos quando estão usando mictórios e não reconhecem a presença uns dos outros em momento algum.
3)   Sem prolongamento – homens não socializam no banheiro. Eles permanecem apenas a quantidade de tempo necessária.
4)   Sem demonstração de emoção – banheiros masculinos são lugares geralmente impassíveis.


Segundo ele, tais regras parecem refletir valores dominantes que demonizam a homossexualidade.

O autor também observou que tanto grafitos com conteúdo homofóbicos quanto homossexuais eram igualmente proeminentes. Constatou ainda que o diálogo entre ideologias foi primordial. Nesse sentido, praticamente, “[...] todas as mensagens dos grafitos que avançaram um pouco de perspectiva foram desafiados por outras mensagens [...]” (TRAHAN, 2011, p. 4, tradução nossa). Eis um exemplo de diálogo estabelecido por meio de grafitos apresentado no artigo:


“Whoever draws a dick on the wall is not straight” (Quem desenha um pau na parede não é hétero)

“Actually, they’re straight gay” (Na verdade, eles são gays héteros)

“So are you you fucking fag” (Então, você é um maldito viado)

“Everyone loves a homophobe” (Todo mundo adora um homofóbico)


Nos grafitos que foram coletados, a temática mais comum foi a da sexualidade. Trahan (2011) considera relevante destacar que a ocorrência de imagens nos grafitos foi rara e que mais de 97% doa grafitos coletados corresponderam a declarações escritas. Para ele, isso sugere que exprimir certa ideologia é um aspecto fundamental da latrinália. “[...] O significado de qualquer imagem pode ser vago, enquanto que é muito mais difícil de interpretar erroneamente o significado [...] desta declaração encontrada no interior de uma porta de cabine: ‘Eu odeio os judeus e os viados’” (TRAHAN, 2011, p. 6, tradução nossa).

Quanto aos grafitos de caráter humorístico, foi observado que o foco de grande parte deles eram os atos de urinar e defecar ou as genitálias. Na perspectiva do autor, esses grafitos parecem zombar tanto do ambiente físico quanto da natureza do espaço do banheiro público. Ao tirar sarro do espaço e do comportamento que ocorre dentro dele, o desconforto é aliviado.

A conclusão a que Trahan (2011, p. 8, tradução nossa) chega é a de que “[...] nenhum único tema - a homossexualidade ou a heterossexualidade – domina. Em vez disso, o tema dominante é mais bem caracterizado como uma disputa apaixonada onde nenhuma ideologia prevalece [...]”. De acordo com ele, os produtores de grafitos usam as cabines de banheiros públicos como um campo de batalha no qual expressam suas ideologias.  

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REFERÊNCIA:

Trahan, A. Identity and ideology: The dialogic nature of latrinalia. In: Internet Journal of Criminology, 2011, p. 1-9. Disponível em: <http://www.internetjournalofcriminology.com/
Trahan_Identity_and_Ideology_The%20Dialogic
_Nature_of_Latrinalia_IJC_September_2011.pdf>. Acesso em: 02 jul. 2013.



Autora: Aline Matias.

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