Alfredo




Em uma certa manhã, não faz muito tempo, entrei apressadamente no banheiro do ICEX. Cursava Matemática lá, o dia pesava-me e precisava isolar-me das pessoas. Logo que cheguei e tranquei a porta, uma sensação reconfortante tomou conta de mim. No meio da porta, um desenho chamou-me a atenção: uma mulher estava sendo agarrada e aprisionada por dois homens, grandes e fortes. O desenho era pequeno, mas de uma crueza perturbadora. O meu corpo experimentou sensações novas. Podia tocá-lo de modo diferente. O meu corpo me era estranho: um ilustre desconhecido e estava ali exibido em toda sua intimidade. Tirei as roupas e fiquei só de calcinha e sutiã. Sensação de alívio.  Despia-me e adquiria forças. Naquele espaço exíguo podia me aclamar e respirar tranquilamente os diversos odores. O cheiro do meu corpo entorpecia-me e contaminava o ambiente. Alfredo, se você me visse, não resistiria. Veja! Que olhos, que dentes, que pernas e que esôfago! Meu corpo, Alfredo, é tão lindo! Tão isto e aquilo que já não sei o que dizer. certamente, você viria com esse jeito calmo e colocaria suas mãos sobre mim e acariciaria os meus seios pouco a pouco. Veja, Alfredo! Meus lábios estão ressentidos, ressecados. Toco-os levemente com a ponta dos dedos. Escreveria para você um belo romance: personagens principais, iríamos para as Ilhas Canárias ou quem sabe para o Oriente. Enquanto o romance não sai, vou escrevendo pelos espaços que vejo pela frente: “acredito que a estrita leveza do ser se resume no ato do mais puro e sensual relacionamento anal... Teodoro anus”. Alfredo, por que você não me responde? Queria seduzi-lo lentamente como os egípcios. Durante muitos dias me limitaria a beijos e carícias. E só então, quando tudo terminasse, ficaríamos juntos completamente. Alfredo, rabisco umas letras tortas na porta e você não vem. Desenho formas inimagináveis na parede e você não vem. Alfredo, por que você me faz esperar tanto? Transpiro pelas rendas, pelas fendas da porta inviolável.




_____________________


COUY, Venus Brasileira. Alfredo. In: ______. Mural dos nomes impróprios: ensaio sobre grafito de banheiro. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2005, p. 91-92.


0 comentários:

Postar um comentário