Paredes que ouvem e portas que falam: uma etnografia de banheiros, grafitos e interações


Registro fotográfico feito por Santos (2012) em um banheiro do Berlin Clube, em São Paulo.


No texto publicado aqui no blog no dia 18 de abril de 2014 eu falei um pouco sobre a dissertação de mestrado Triste sina ser poeta de latrina: um estudo antropológico/artístico dos grafitos de banheiro (2012) da pesquisadora brasileira Ludmila Helena Rodrigues dos Santos. No texto de hoje, abordarei outro trabalho dela, cujo título é Paredes que ouvem e portas que falam: uma etnografia de banheiros, grafitos e interações (2011).

O referido trabalho foi apresentado por ela VII ENECULT (Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura) realizado no ano de 2011, na Universidade Federal da Bahia. Nele, conhecemos um pouco mais do estudo da pesquisadora, inserido na área de Antropologia Social, sobre os grafitos de banheiro.

Ela dá início à sua reflexão pontuando que no espaço do banheiro público, “[...] por detrás das cabines que visam garantir o anonimato e a individualidade, temos, de forma contraditória, a exposição e aglomeração de vozes e ouvidos. [...].” (SANTOS, 2011, p. 1). Para Santos (2011, p. 2), os “[...] banheiros não só ouvem como falam”. Isso por que além do fato dos escritos neles produzidos dialogarem entre si, tem-se o fato de que os escritos dialogam com os frequentadores dos banheiros, provocando-os, “[...] gerando opiniões, sensações e reflexões variadas. [...]”.

Assim como em sua dissertação de mestrado, Santos (2011) busca fundamentar teoricamente o seu ensaio nas perspectivas da antropologia urbana e da antropologia da arte (na qual se tem “[...] arte como um sistema de ação e seus objetos como portadores de intencionalidade” (SANTOS, 2011, p. 2)). Ela justifica essa busca afirmando que trata do banheiro inserido na cidade, a qual é compreendida como espaço físico e simbólico.

Para ela, a relação entre os espaços do banheiro e da cidade é fundamental para a compreensão dos grafitos de banheiro. Nesse sentido, ela diz:


[...] a ligação entre cidade, banheiros e escritos, é centrada numa abordagem teórica de estudos de antropologia urbana em função de significarmos estes grafitos como fruto desta situação específica em que as subjetividades se interagem e se expressam na cidade, e ainda pelo fato de que por mais que ressaltemos que tais inscrições ganhem a autonomia ao interagir, eles são necessariamente realizados por sujeitos, que buscam um tipo de interação específica, resguardados, inclusive pelo anonimato típico desta produção. É esta condição que propicia o “nascimento” dos grafitos e seu caráter interativo – seja lúdico, dramático, político, amoroso, etc. [...]. (SANTOS, 2011, p. 3).


Santos (2011) reflete em seu texto sobre uma das questões que envolvem o estudo dos grafitos de banheiro e que diz respeito ao aspecto de se lidar com o indivíduo que produziu o grafito sem a possibilidade de se ter uma imagem mental de seu corpo, de ter acesso às suas características físicas/ subjetivas, como também “[...] sem poder enquadrá-lo nas categorias de estudo sociológicas/ antropológicas com alguma precisão que temos do contato com o “nativo” e suas intenções[...]”. (SANTOS, 2011, p. 4). A perspectiva a qual ela chega é a seguinte:


O ponto focal aqui não é o indivíduo corporificado e reconhecível através das relações entre sujeitos. Tratamos do escrito (marca visível de relações invisíveis) sobre o sujeito para alcançar, através do dito, confessado; as relações geradas a partir de grafitos, que se autonomizam dos corpos.
Desta forma, o que se lê é algo além do que está dito. Diz respeito às pessoas, como elas interagem, qual lugar elas se mostram e/ ou se ocultam, como fazem, como vivem, como sentem e desejam. Mas ao mesmo tempo não são pessoas alcançáveis numa relação face a face (ao menos no momento do ato de escrever), observadas em contextos etnográficos tradicionais, pois lidamos com uma forma de interação indireta, mediada pelos mecanismos que permeiam a sociabilidade na metrópole. É a própria expressão que nos fala. [...]. (SANTOS, 2011, p. 5).


O que é destacado nesse fragmento textual é a questão da relação peculiar que se dá entre o (a) pesquisador (a) e os sujeitos pesquisados (no caso, os produtores de grafitos) quando se trata do estudo dos grafitos de banheiro.  Ela é peculiar, pois o contato entre eles é indireto e mediado pelos próprios grafitos.

Algo que fica claro nesse ensaio de Santos (2011) e em sua dissertação é a sua proposta de não realizar um estudo dos grafitos objetivando empreender um levantamento numérico deles e classificá-los posteriormente. Para ela, isso iria minar “[...] o caráter relacional e a significação que tais manifestações apresentam para além das classificações e até mesmo seu potencial antropológico de estudo. [...].” (SANTOS, 2011, p. 7).

Fica nítido também que ela defende a perspectiva de que os “[...] grafitos podem [...] ser considerados como documentos da interação que se processa nos banheiros da metrópole.” (SANTOS, 2011, p. 9).


Autora: Aline Matias.






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