Folkcomunicação da latrina: estudo dos grafitos de sanitário da Unesp-Bauru



No artigo intitulado Folkcomunicação da latrina: estudo dos grafitos de sanitário da Unesp-Bauru (2003), Brandão (2003) fundamenta a sua abordagem na teoria da Folkcomunicação, a qual corresponde ao:

  

[...] conjunto de procedimentos de intercâmbio de informações, ideias, opiniões e atitudes dos públicos marginalizados urbanos e rurais, através de agentes e de meios direta ou indiretamente ligados ao folclore. (BELTRÃO, 1980 apud FERNANDES et. al., 2013, p. 3).



Essa fundamentação teórica é que leva a autora do artigo a considerar que, a partir dos grafitos de banheiro, é possível se perceber a ação de grupos culturalmente marginalizados e também a leva a tomar o estudo de Luiz Beltrão, apresentado por ele no livro Folkcomunicação: a comunicação dos marginalizados (1980), como parâmetro.

O modo como Brandão (2003) compreende os grafitos de banheiro fica evidente no excerto a seguir:


Estudamos os grafitos na perspectiva de que os mesmos são manifestações de legitimação de ideias interiores sob forma de discurso. Os grafitos aparecem sob diversas formas que abrangem o protesto, a ironia, a pornografia e até o desabafo. É interessante observar que o grafito é um veículo de comunicação eficaz pois é possível ser indiferente a ele mas é impossível, devido a sua localização e a posição em que se encontra a audiência, ignorá-lo. Destacamos também que o grafito é altamente persuasivo, levando a audiência a uma tomada de decisão: assim como Beltrão, encontramos poucos grafitos isolados e observamos intensos debates comprovando que o grafito é acima de tudo uma comunicação [...]. (BRANDÃO, 2003, p. 2).


Em seu artigo, a autora se questiona se depois da pesquisa de Luiz Beltrão, realizada em banheiros de Brasília, ainda seria possível “[...] afirmar que os grafitos de banheiro expressam opiniões de grupos culturalmente marginalizados [...]” (BRANDÃO, 2003, p. 1). Em busca de respostas, ela empreende uma pesquisa visitando, durante o trabalho de campo, banheiros da cantina da UNESP (Universidade Estadual Paulista), do campus de Bauru, devido a sua localização central, que contribui para que seja acessada por alunos das três faculdades do campus (Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação; Faculdade de Ciências e Faculdade de Engenharia). Ao final, foram coletadas 120 mensagens, as quais foram classificadas nas seguintes temáticas: erótico-pornográfico, gozação/ironia, desaforo, religioso/messiânico, considerações filosóficas, político/crítico, afirmação/ dúvida, fofoca/intriga e outros.

Como o objetivo de Brandão (2003) foi o de verificar se as considerações feitas por Luiz Beltrão, em sua pesquisa sobre os grafitos de banheiro, ainda procedem, ela vai estabelecendo ao longo de seu artigo um comparativo entre as informações obtidas em sua própria análise e algumas das informações apresentadas pelo pesquisador. Assim como Beltrão constatou que os homens produziram mais grafitos do que as mulheres, ela também constatou, pois 89% dos grafitos coletados por ela foram provenientes de banheiros masculinos e 11% de banheiros femininos.

Quanto aos grafitos erótico-pornográficos, por exemplo, Brandão (2003) diz que eles predominaram tanto em sua pesquisa (nela, os grafitos erótico-pornográficos corresponderam a 20,83% do total de grafitos coletados) quanto na de Luiz Beltrão. Ela verificou que nesses grafitos se deu “[...] a comunicação do grupo culturalmente marginalizado por não se enquadrar na moral e costumes sociais dominantes como os gays, lésbicas, bissexuais etc. [...]” (BRANDÃO, 2003, p. 2). Além disso, observou a vazão de impulsos eróticos e pornográficos, expressos, por exemplo, através de desenhos de órgãos sexuais masculino e feminino, como também a ocorrência de grafitos contendo endereço eletrônico (e-mail) e número de telefone celular para contato.

Sobre os grafitos políticos/críticos, Brandão (2003, p. 4) destaca que suas constatações surpreenderão muitos que pensam que “[...] grafito de banheiro é só besteira ou rabisco pornográfico [...]”. Ela diz ter encontrado “[...] ideologias políticas exóticas ou opiniões consideradas inaceitáveis dentro de uma universidade, em quantidade considerável: 19,17% do total, ou seja, 23 mensagens. [...]” (BRANDÃO, 2003, p. 4).


A categoria de grafitos denominada por Brandão (2003) como outros corresponde àqueles que foram “[...] encontrados em menor quantidade com temáticas como função dos órgãos excretores, costumes, preferências, reivindicações, comentários sobre o banheiro, românticos etc. [...]” (BRANDÃO, 2003, p. 5). Tal categoria ocorreu em 14 grafitos, 11,67% do total. No gráfico a seguir, a autora apresenta as temáticas encontradas nos grafitos que coletou e suas respectivas porcentagens:


Gráfico apresentado por Brandão (2003, p. 6) no artigo Folkcomunicação da latrina: estudo dos grafitos de sanitário da Unesp-Bauru (2003). 



Através de um exemplo de grafito (“Olha a gente tem que se conscientizar de que estes espaços são destinados às lésbicas portanto quem não gostar não escreva!!” (BRANDÃO, 2003, p. 4)) encontrado em um banheiro feminino, a autora mostra que há casos em que os “[...] próprios usuários reconhecem no grafito de sanitário um meio de expressão de grupos culturalmente marginalizados” (BRANDÃO, 2003, p. 4).

Em suas considerações finais, Brandão (2003) diz acreditar que:


[...] os grafitos de sanitário continuam, conforme analisou Beltrão, sendo veículo de expressão de culturas marginalizadas. Esse grupo ou indivíduo expressa sua revolta ou inconformismo através de um canal próprio, os grafitos nos sanitários, para tentar preservar sua autonomia diante da tendência massificadora dominante, mostrando a indignação desse comunicador frente à realidade que o cerca. (BRANDÃO, 2003, p. 8).


Ela pontua ainda que o grafito de banheiro se constitui em um veículo de comunicação de folk porque possibilita “[...] a manifestação de ideias e debate das mesmas pelo comunicador e audiência num plano quase tão horizontal quanto o da Comunicação Interpessoal [...]” (BRANDÃO, 2003, p. 9).


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REFERÊNCIAS:

BRANDÃO, Tamara de Souza. Folkcomunicação da latrina: estudo dos grafitos da Unesp-Bauru. In: Revista Internacional de Folkcomunicação, v. 1, n. 2, Ponta Grossa/PR, 2003, 9 p. Disponível em: <http://www.revistas.uepg.br/index.php?journal=folkcom&page=article&op=viewFile&path
[]=490&path[]=316>. Acesso em: 12 jan. 2013.

FERNANDES, Mariana et al. Folkcomunicação: Análise das influências do conceito desde sua gênese até a contemporaneidade. In: XVIII CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO SUDESTE, 2013, São Paulo, Anais... São Paulo: Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, 2013, p. 1-11. Disponível em: < http://portalintercom.org.br/anais/sudeste2013/
resumos/R38-1592-1.pdf>. Acesso em: 04 jan. 2014.


Autora: Aline Matias.

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