Grafitos de banheiro compreendidos como objetos artísticos




Registro fotográfico feito por Santos (2012) em um banheiro do Clube Berlin, em São Paulo.



Na dissertação de mestrado intitulada como Triste sina ser poeta de latrina: um estudo antropológico/artístico dos grafitos de banheiro (2012), a pesquisadora Ludmila Helena Rodrigues dos Santos apresenta uma abordagem sobre os grafitos de banheiro fundamentada na perspectiva da antropologia urbana relacionada com uma abordagem específica da antropologia da arte (na qual a arte é vista como “[...] sistema de ação e seus objetos como portadores de intencionalidade [...]” (SANTOS, 2012, p. 13)).

Em seu estudo, a pesquisadora adota estratégias que são usadas para se analisar elementos artísticos “[...] como possibilidade conceitual e metodológica de tratar os grafitos” (SANTOS, 2012, p. 14). Ela considera que tal adoção corresponde a uma “[...] tentativa de construção teórica que extrapole as descrições e deduções lógicas [...]” (SANTOS, 2012, p. 14). A implicação dessa perspectiva seguida por Santos (2012) é a de que ela compreende os grafitos de banheiro não apenas como objeto de pesquisa, mas também como objeto artístico.

Um diferencial do trabalho empreendido por Santos (2012), que tem a ver com o diálogo que ela busca estabelecer entre Ciência e Arte, são as instalações artísticas que ela realizou em alguns banheiros. A ideia das instalações artísticas se deu a partir do convite que ela recebeu dos organizadores de uma casa noturna chamada Goma (localizada em Uberlândia, Minas Gerais), no ano de 2011, para que fizesse uma instalação nesse espaço. O projeto chegou a ser contemplado por uma agência de fomento que o financiaria, mas o espaço foi posteriormente fechado. Ela então teve que sair à procura de outros espaços para realizar seu projeto.

Seu projeto de estudo “[...] apresentava a possibilidade da realização de experimentos artístico-antropológicos no campo, que se deram na forma de instalações artísticas [...]” (SANTOS, 2012, p. 21, grifo da autora). Conforme ela explica, as instalações consistiam, por exemplo:


[...] na exposição das fotos do trabalho de campo e disponibilização de uma máquina fotográfica no interior do banheiro do evento, no intento de um diálogo com os frequentadores, através de uma metalinguagem: um banheiro que através de fotos dialoga tanto com outros banheiros como com expressões encontradas no interior destes que os particularizam [...]. (SANTOS, 2012, p. 69).


Santos (2012) considera que as instalações representaram em sua pesquisa um intermédio entre a prática artística e o conceitual antropológico. Elas contribuíram para que, além de ser pesquisadora, ela se tornasse artista de banheiros, o que lhe possibilitou ampliar sua “[...] compreensão com e através dos grafitos estudados” (SANTOS, 2012, p. 84). A fim de facilitar a divulgação e aceitação de seu trabalho, ela chegou a assumir um nome artístico: Ludmila Oze. Ela afirma que a sua “[...] inserção artística teria que ser trabalhada e divulgada de forma diferenciada da apresentação acadêmica [...]” (SANTOS, 2012, p. 116).

Ao longo de sua dissertação, ela vai relatando as experiências e as impressões que teve durante o processo de realização das instalações. Fica bastante claro que cada instalação teve as suas nuances e peculiaridades, as quais levaram a pesquisadora-artista a adaptar a sua proposta. Na instalação realizada em banheiros do Festival UdiRock (festival de rock de bandas independentes que acontece em Minas Gerais), por exemplo, Santos (2012) teve que lidar com a questão da censura, pois a organização do evento a alertou sobre o problema que seria se o juizado de menores que fiscalizaria o evento encontrasse em meio as fotos expostas nos banheiros imagens de corpos nus ou que passassem a ideia de nudez.


Imagem exposta por Santos (2012)  em um banheiro feminino, durante o Festival UdiRock, que foi alvo de censura por mostrar a realização de sexo oral.


A autora fala mais sobre as instalações que realizou:


Este trabalho de intervenções trouxe outra perspectiva e a possibilidade de inserção no campo desprendida dos grafitos coletados, trabalhando significados dos banheiros e este espaço como “bom para pensar e bom para agir”. Significá-lo artisticamente permite questionamentos acerca do que é “arte pública”, a quem ela se destina, onde e sob quais condições os objetos são tidos como artísticos [...]. (SANTOS, 2012, p. 141).


Em resumo, o que a autora considera é que:


[...] grafitos de banheiro, ainda que não sejam obras de arte [...], são objetos artísticos (ou podem ser assim antropologicamente tratados) de ação que extrapolam os limites da antropologia da arte, fazendo conexões entre arte e relações urbanas. (SANTOS, 2012, p. 150).


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REFERÊNCIAS:

SANTOS, Ludmila Helena Rodrigues dos. Triste sina ser poeta de latrina: um estudo antropológico/artístico dos grafitos de banheiro. 2012. 185 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.


Autora: Aline Matias.


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